Muitos amigos declararam, pelas redes sociais, que se preparariam especialmente na noite de ontem para assistir ao Jornal Nacional só para ver com que cara Bonner anunciaria a decisão da segunda turma do STF considerando Sérgio Moro suspeito na condução do processo que foi movido contra Lula. Para grande decepção de tais amigos, Bonner não estava descabelado, com olhos vermelhos e sobrancelhas arqueadas, abatido com o que acabara de assistir. Ao contrário, tratou a notícia com a cínica imparcialidade de sempre, com a mesma imparcialidade com que incensava, em outros tempos, Moro, Dallagnol e toda turma da Lava-Jato, ou com que supervalorizava aspectos negativos do governo Dilma, este, por si só, já desastroso ou ainda, com a mesma tranquilidade com que recebeu Lula ou Dilma, para darem suas primeiras entrevistas como presidentes eleitos ao Jornal Nacional.
O fato é que para a Globo, a incontestável porta-voz do grande capital, nenhuma mudança de rota se avizinha a partir da decisão da segunda turma. Moro, suspeito ou não, já nada mais significa na consecução do projeto ultraliberal que ora se desenvolve e que, reconheçamos, vai muito bem, obrigado. Assim como a carta dos banqueiros tucanos faz críticas a Bolsonaro na condução do combate à pandemia sem, nem em uma única vírgula, tecer qualquer crítica à política econômica predatória de Guedes e que, portanto, não deve ser saudada como prenúncio de novos tempos, a decisão da segunda turma também nada opera nesta direção, ou, talvez, seja mesmo uma peça secundária na articulação de uma nova ordenação política que preserve sob todos os aspectos a orientação atual.
A burguesia não tem bandidos de estimação. Ela própria uma classe parasitária que se alimenta cotidianamente do sangue e suor de quem trabalha, tem estima apenas por esta sua condição, para a eternização da qual não poupa nenhum esforço e despedaça qualquer veleidade moral que se oponha ao seu intento. Ela tem, sim, bandidos de ocasião, dos mais variados matizes: desde os genocidas repulsivos às figuras simpáticas, mas igualmente servis, presidentes da república ou alcaides perdidos por este país, juízes da suprema corte ou rábulas de sucesso efêmero. Sérgio Moro enquadra-se em algum ponto deste vasto leque, como aí estão, também, outras figuras ora conduzidas temporariamente às luzes, ora defenestradas ou simplesmente esquecidas.
A burguesia, enfim, não segura a alça de caixão daqueles que tão fielmente a serviram. Como outro dia disse, a burguesia é uma classe mercadora e a ela só interessa aquele que algo possa lhe oferecer e enquanto puder oferecer. Depois disso as relações não encontram razão para serem perpetuadas. Nos bastidores do pleito presidencial de 2022, fora das vistas dos entusiasmados apoiadores, o jogo das ofertas já se desenrola. A burguesia não tem pressa. Sem um forte movimento de massas a lhe fazer qualquer oposição, terá toda tranquilidade para avaliar cada um dos que a ela já apresentam suas credenciais de fidelidade e escolher, entre eles, o que melhor lhe aprouver. Ou, quem sabe, como fez em outros momentos, esperar até os minutos finais, antes de descarregar seu apoio sobre alguém que hoje sequer apareça na lista dos presidenciáveis.