“Negacionismo” é a ponte que une o passado ao presente. É uma parte importe do discurso dos extremistas de direita mundo afora. Eles negam a existência de certos fatos ou seu caráter inaceitável. É assim na América Latina com as ditaduras, na Europa com o Holocausto, na França com o colaboracionismo e a violência contra os argelinos. Há, de forma igualmente importante e menos retratada, o negacionismo da violência colonial, da escravização e contra povos indígenas.
A negação de se reconhecer esses fatos não é mera ignorância, é um projeto político, pois abre caminho para que se repitam e para que, ainda que em novos formatos, os processos se repitam. Em alguns casos o negacionismo é reconhecido como tão grave que chega a ser crime; em muitos é proibido por cortes internas ou internacionais. Em outros seu afastamento é ainda uma luta dos de baixo.
A proibição do negacionismo não é a proibição do pluralismo, da discussão, da investigação histórica e do debate. É a fixação de pontos mínimos, bem mínimos de acordo societário contra “a grande mentira”, uma vez que ela é tão ofensiva e tão corrosiva e tão danosa que impede a vida social. O negacionismo é a tentativa de romper pela direita um pacto constitutivo elementar: há bilhões de coisas que podem ser ditas e pensadas sobre a História. Bilhões!
Mas há um punhado dessas coisas que a duras penas, por experiências que em geral envolveram milhões de violências, nós logramos concordar que não dá pra afirmar.
Se não tivermos acordo sobre isso é como se as lutas políticas e sociais fossem decorrer sem o respeito às “leis da guerra”, aquelas que limitam a crueldade das ações e das armas. É isso que a extrema direita quer: guerra aos de baixo sem qualquer limite, por isso são negacionistas.
Houve um Holocausto e ele é repugnante. Houve um nazifascismo e ele é inaceitável. A escravização foi terrível e não pode se repetir. O colonialismo ídem, assim como o racismo, o apartheid, a interdição dos direitos civis a negros e minorias. Houve ditaduras mundo afora e elas foram muito negativas pra seus povos, em especial na América Latina.
A ditadura brasileira não pode ser negada. Não “apenas” pelas suas ações desumanas, que incluíram a tortura de crianças e o extermínio de indígenas, como demoramos a saber, mas porque o fez para atender aos interesses do andar de cima, concentrou terra e renda e meios de comunicação, enraizou corrupção e autoritarismo no estado, legitimou grupos de extermínio, reforçou o racismo e o machismo, atrasou o processo de organização dos trabalhadores e dos movimentos, impôs um modelo de crescimento dependente e profundamente antiambiental.
O “legado” da nossa ditadura está em cada ato de violência policial, em cada medo de cidadãos e movimentos reivindicarem seus direitos, em cada juiz autoritário, em cada tentativa de censura, no oligopólio das comunicações, nas milícias, na classe média que se pensa como classe dominante mesmo sendo tratada por ela como capacho. Não há problema grave no país que não tenha sido por ela reforçado. Muito reforçado. A nossa ditadura existiu e foi péssima pra imensa maioria de nosso povo, inclusive para os que nasceram depois e nascerão ainda.
Quem nega a existência e o caráter da nossa ditadura está cometendo um ilícito frente ao direito internacional e está se colocando como defensor da repetição de seu sentido: o esmagamento das maiorias.
O negacionismo da pandemia – a ditadura escondeu pelo menos uma epidemia, impondo a morte a milhares de crianças com meningite – é a cara de hoje do negacionismo de ontem.
#DitaduraNuncaMais Responsabilização dos negacionistas de ontem e de hoje.