Algumas coisas sobre a tática Black Bloc

Por Pedro Marin

Algumas coisas sobre a tática Black Bloc – por Pedro Marin

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Imagem: Gabriela Batista /VEJA

Algumas coisas sobre a tática Black Bloc:

Primeiro, não considero que a conjuntura a favoreça no momento (e isso falo do ponto de vista tático, não estratégico; a depender do andamento das manifestações ela pode vir a ser útil) e há duas fraquezas graves dela em troca da segurança relativa que o anonimato do bloco proporciona: por um lado, torna quase impossível combater a infiltração de forças do Estado, como vimos no caso Balta Nunes (mas há muitos outros casos; quem acompanhou de perto as manifestações em 2013-14 sabe disso muito bem, e aparentemente a prisão de Matheus Machado Xavier se deu exatamente nesses termos [1] – o que não é dizer que os black blocs são em si “infiltrados”, como alguns setores promoveram tanto de 2013-2016); por outro, a falta de direção, mesmo que coletiva, que cria uma situação em que qualquer um – até os bem intencionados – podem promover tragédias e retrocesso para o andamento da própria luta, sem que se possa fazer muito, como foi o caso do cinegrafista da Band morto estupidamente no Rio de Janeiro em 2014 por um rojão disparado a esmo

Dito isso, é preciso tomar cuidado com certas caricaturas apressadas. Uma delas é a de que quem compõe o Black Bloc é majoritariamente playboy e classe média. Não tenho como avaliar a composição desse último ato, mas em 2013-14, em São Paulo, o que se via era pobre e principalmente classe média-baixa pauperizada; jovens que moravam na periferia mas trabalhavam ou estudavam no centro, os filhos da tal classe C que ascendia. Lembro de na época aparecer em foto na linha de frente, em veículos ditos de esquerda, num texto que dizia que “só de tênis nessa foto tem 8 mil reais”, que ali só tinha playboy, bla bla bla. Eu e um companheiro, dois fodidos desempregados, com tênis falsos e furados, no meio de uns 20 que não pareciam muito diferentes de nós não. Companheiro esse que tomou umas cacetadas no final do ato.

Outra caricatura, que até hoje é hegemônica, é de que o Black Bloc em 2013 acabou servindo à direita, que aquele giro promovido pelo Alckmin e os jornalões a partir do dia 13 de junho não teria sido possível sem os black blocs. Isso é errado e, além de errado, é uma avaliação incorreta tanto do movimento dos atos quanto das responsabilidades que o à época prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, teve nisso.

1 – os black blocs já atuavam em São Paulo antes do 13 de junho, mas seu número e sua importância eram bastante reduzidos;

2 – essa importância foi ainda mais reduzida depois do dia 13, quando a playboyzada efetivamente foi pra rua com aquele clima de festa e sendo teleguiada pela rede Globo.

3 – evidentemente o que ocorreu em 13 de junho foi uma operação do Alckmin com os veículos de comunicação; estes ficaram insuflando a repressão por dias, o Alckmin mandou a polícia reprimir de uma maneira completamente sem sentido (com policial inclusive quebrando a própria viatura), e como o Haddad ficou abraçado com o Alckmin durante todo o tempo (e a Dilma estava na presidência), a imprensa usou a repressão abusiva pra mudar a orientação e as pautas dos atos; o Jabour que num dia atacava os atos apareceu no dia seguinte arrependido lançando a frase de efeito pra sua base: “não é por 20 centavos” (sim, era pelos 20 centavos; pelos 20 centavos que, somados no fim do mês, complicavam bastante a vida de nós que morávamos longe). Percebam que as passagens de metrô eram as que mais oneravam nós, visto que não tinha integração, como no ônibus, mas ainda assim Alckmin saiu incólume e ainda foi a figura que liderou a coletiva de imprensa na qual anunciou a reversão do aumento (quando as pautas já tinham sido alteradas e as manifestações nacionalizadas).

4 – com a playboyzada na rua, os manifestantes que até então construíam os atos passaram a ser ATACADOS nas manifestações, inclusive por elementos de extrema-direita que aproveitaram pra sair da casinha; foi aí que nasceu o grito de “sem partido” para abaixar as bandeiras, não antes.

5 – nesse contexto, ao menos em São Paulo, foi precisamente o crescimento e o uso das táticas do black bloc que afastou a playboyzada e a direita das ruas. Pra qualquer um que tenha acompanhado ato por ato, esse movimento (esquerda chamando atos; mudança das pautas e chegada da direita; avanço da direita; esvaziamento da direita por meio da quebradeira geral) é evidente. Em julho, agosto e setembro a direita foi progressivamente perdendo espaço, à medida que o black bloc crescia.

Muito cuidado portanto com essas análises impressionistas, e também com os retratos moralistas – de um lado, com pacifismo abstrato, de outro, com radicalismo simbólico. As questões fundamentais das manifestações e da conjuntura hoje são:

1 – impedir que os atos sejam pautados pela tibieza dos que preferem um desgaste controlado do presidente;

2 – garantir que a composição de classe dos atos se modifique qualitativamente, pela expansão do trabalho preparativo, nas bases;

3 – continuar aumentando os atos em termos quantitativos e o crescimento de cidades com atos (o fenômeno da interiorização);

4 – garantir a construção de uma greve geral;

5 – que em termos de consciência sirvam pra avançar três pontos fundamentais: primeiro, que o combate não pode ser restrito ao biroliro, que os militares devem ser rejeitados, que não são alternativa; segundo, a denúncia contra o privatismo, o neoliberalismo, os “vampiros que comem tudo” que esvaziam nossas geladeiras e são copartícipes nos 500 mil mortos; terceiro, que se associe a pauta política (derrubada do governo) com a pauta econômica, popularizando a bandeira de uma outra política econômica (como pontos a questão da reforma trabalhista, teto de gastos, privatizações, rentismo, uberização, reforma administrativa, etc).

6 – que em termos práticos sirvam pra aumentar o nível de organização para as batalhas vindouras depois de uma eventual queda do presidente (milicos, neoliberais que usam guardanapos) – isso inclui assegurar a unidade das forças de esquerda que, apesar de discordarem estrategicamente ou taticamente, tenham acordo com todos os pontos anteriores.

A pergunta a se fazer não é se as vidraças têm emoções, nem cair pra autopromoção moralista do tipo “então é só pra marchar quietinho?”; é se o uso dessa tática, hoje, contribui para esses seis pontos. Não creio que sim, mas nós veremos nos próximos atos: até que ponto eles diminuem, até que ponto a composição de classe se altera, até que ponto isso acelera o lento ânimo das organizações de centro-esquerda, até que ponto efetivamente enfraquecem o governo e os milicos ou se, pelo contrário, servem pra fortificar a sua posição e enfraquecer as ruas e, acima de tudo, até que ponto essas táticas se espalham para outras cidades e estados e se massificam. Como diz o Alinsky, “se o verdadeiro radical descobre que ter o cabelo grande levanta barreiras psicológicas para a comunicação e a organização, ele corta o cabelo”. A tática não é “bonita” ou “feia” abstratamente, “radical” ou “moderada” abstratamente; ela é útil ou não é dentro de uma estratégia que é radical ou não; uma estratégia que busca avançar ou uma outra que busca conceder, retroceder, boicotar ou segurar. Se nos próximos atos nós tivermos uma mudança qualitativa na composição, um aumento quantitativo das pessoas nos atos e um grande aumento nos que empregam essa tática ou outras de enfrentamento, que tornem o enfrentamento massivo (como foi por exemplo em certo momento no Rio, em 2013, e como foi em outros países, como Chile, Bolívia, Equador e está sendo agora na Colômbia), aí o enfrentamento deve ser estimulado e, acima de tudo, organizado. Se não… É pra “cortar o cabelo”; sinal de que outras tarefas ainda precisam ser completadas.

No mais, é inadmissível que se promova ou comemore ataques, divisionismo ou disputas físicas na rua entre as forças de esquerda ou centro-esquerda; descambar pra isso não pode só se virar contra quem está “comemorando” como efetivamente fortifica o oportunismo de direita por cima, que em última instância tá mais interessado no centro e na centro-direita do que nas forças à esquerda, que apesar de não aderirem à tática black bloc, pressionam essa centro-esquerda, por exemplo, nos sindicatos.

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[1] “Foi um policial infiltrado que pegou ele, pois um PM à paisana já estava o esperando do outro lado da rua, ele estava todo de preto, como se fosse um militante mesmo, isso é inadmissível, ele já estava sendo seguido.” A propósito, evidentemente solidariedade e liberdade ao companheiro preso. – https://ponte.org/jovem-e-preso-apos-confronto-entre-manif…/