Não vou me adaptar ou (des) afinidades eletivas

Por Fabianna Freire Pepeu

Não vou me adaptar ou (des) afinidades eletivas – por Fabianna Freire Pepeu

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Imagem: reprodução da internet

Boto fé nesse negócio que alguns chamam de energia. Afinal, pensando bem, o que há lá no de dentro de toda matéria?

Como muita gente por aqui sabe, moro muito pertinho da Paulista. Foram quase 10 horas agora ouvindo gritos, vuvuzelas, escapes adaptados de motos pra botar terror e outros muitos alvoroços mais, a exemplo das vidraças do apartamento batendo muito com a passagem dos helicópteros.

Não fomos feitos para viver sob estresse. As nossas vidas eram pra ser mais caras e raras.

O Brasil é um lugar medonho e se tornou muito mais do que sempre foi. Nos anos 1990, no Recife, crianças com lâminas furtavam relógios de pulso no sinal de trânsito quando os automóveis eram dirigidos por mulheres como eu.

Nos anos 1970, nos ônibus, as bolsas das nossas mães e avós voltavam pra casa com cortes nas laterais. Por ali, passavam a carteira de cédulas de toda gente distraída como deveria mesmo ser, porque a vida deveria ser uma experiência menos tensa.

Ainda hoje, mulheres, pretos, indígenas e pobres pagam uma conta alta por simplesmente serem quem são e não poderiam ser outra coisa senão eles/elas mesmas porque cada coisa é assim.

Lembro de uma época na qual eu trabalhava na reportagem de TV e ouvia disparates dos moços que trabalhavam comigo na rua. Eram homens simples que manuseavam cabo, bateria, volante e coisas pesadas quando assim era necessário.

Quando chegávamos ao local da nossa pauta, eu os via em perfeita sintonia com o porteiro do prédio, a secretaria do dito cujo a ser entrevistado e, às vezes, com o próprio entrevistado e sua fala repleta de barbaridades que me deixavam bêbada de revolta e vontade de sair correndo de tudo aquilo para nunca mais voltar.

Há uma falácia que consiste em dizer a quem não consegue engolir certos sapos que deglutir coisas avulsas é parte da maturidade.

Nunca amadureci e sempre me achei um peixe fora d’água na maioria dos ambientes por onde andei.

Só muito recentemente, coisa de menos de um mês, por conta também de uma reflexão de aniversário, várias décadas de vida desabaram sobre minha cabeça — mole ou dura?

Foi nesse momento de estalos, insights seguidos, que percebi porque sempre foi tão difícil me adequar ao ambiente corporativo. Não apenas a esse ambiente, na verdade, mas também ao grupo de moiçolas que se mostravam tão adaptadas ao que os moços esperavam delas. Mas não apenas. Também era difícil no campo, na fazenda, na vendinha, no bailinho, que, na minha cidade de origem, era apelidado de ‘assustado’.

Também era difícil no trânsito, no supermercado, na sala de espera do médico — e mesmo na conversa com o sumo sacerdote da medicina ocidental.

É que em todas essas situações eu respirava o mesmo ar que, até iniciar esse texto, havia por aqui desde hoje cedo.

Essa gente que, agora, finalmente foi embora completamente, me devolveu a vida.

Posso respirar e sentir que energia é coisa mais sólida e pesada que rapadura.

Agora que foram embora, toda a carga que trouxeram se dissolveu — e sendo essa escritura quase longa, paulatinamente, fui me distanciando desse inferno real e invisível e chego, finalmente, ao final dessa narrativa podendo respirar oxigênio, sem 1.229 agrotóxicos aprovados, desde a posse de Bolsonaro, e certa que não, não estava comigo o erro ou a incapacidade de adaptação.

Simplesmente, eu sentia na pele, no ar, nos lugares por onde andava, a força invisível da maldade humana que, via de regra, é sempre a mesma, entre aliados do monstro ou mesmo entre adversários do coisa ruim.

Energia habita as coisas do mesmo modo que você, agora, habita essa última linha do meu pensamento.

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