Há exatamente 60 anos, no dia 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou

Por Pedro Fassoni Arruda

Há exatamente 60 anos, no dia 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou – por Pedro Fassoni Arruda

Compartilhe o conteúdo:

Compartilhe o conteúdo:

Imagem: reprodução da internet

Bolsonaro se parece com Jânio em muitos aspectos.

Jânio tinha um discurso moralista que agradava os setores mais conservadores e reacionários da sociedade. Nos seus discursos, Jânio buscava sempre tirar o foco dos problemas estruturais da sociedade, para tratar de coisas sem a menor importância, como desfiles de mulheres com biquíni ou rinhas de galo.

Jânio também se apresentava como um candidato de “fora” do sistema, embora fosse parte integrante do mesmo (antes de chegar à presidência, ele foi vereador, deputado estadual, prefeito, governador e deputado federal). Ao longo de sua carreira política, pertenceu a sete partidos diferentes. Ele não seguia nenhuma disciplina partidária, era sempre o “candidato de si mesmo”, com seu estilo de liderança personalista que representava uma variante do populismo de direita no Brasil. Ele se apresentava com anti-establishment, mas ele era o próprio sistema político no que este trazia de pior: a conservação das estruturas anacrônicas que serviam de base para o modelo de desenvolvimento dependente e associado.

Na sua campanha à presidência, o slogan foi “O tostão contra o milhão”. Ele dizia que a sua campanha era modesta, não contava com muitos recursos, e que travava uma luta feroz contra os “poderosos”. Todo o esforço de Jânio era para construir uma imagem de simplicidade e “homem do povo”. Assim como Bolsonaro se deixa fotografar comendo pão com leite condensado no café da manhã, Jânio Quadros adorava comer um pão com mortadela num boteco qualquer. Jânio também se vestia mal para os padrões de um político tradicional, usava roupas desalinhadas e não fazia muita questão de pentear o cabelo. Isso sem falar no ombro do seu paletó, quase sempre coberto de caspa…

Mas enquanto tentava transmitir essa imagem de “homem do povo”, Jânio adotava uma política completamente subordinada aos interesses do FMI e do governo dos EUA: corte de investimentos públicos e arrocho salarial, desincentivos à indústria, fortalecimento da agricultura de exportação etc. Essas medidas tendiam a reforçar as desigualdades sócio-econômicas e o caráter dependente da economia brasileira: os ricos ficavam mais ricos, e os pobres ficavam mais pobres.

Jânio fazia denúncias de corrupção contra o seu antecessor, Juscelino Kubitshek, que nunca foram sequer apuradas. Mas Jânio parecia seguir aquele velho ditado, de que quando uma mentira é contada milhares de vezes ela “se torna verdade”.

Quando foi eleito presidente, Jânio não era o candidato preferido do establishment, mas acabou recebendo o seu apoio. A UDN (União Democrática Nacional), o partido dos “bacharéis da elite”, que era uma espécie de PSDB da época, queria lançar o nome de Juracy Magalhães. Mas este não saiu candidato, e para evitar a vitória do general Lott, um militar nacionalista e legalista, a burguesia apoiou Jânio Quadros. Da mesma forma que em 2018 o “candidato natural” da burguesia era Geraldo Alckmin, que acabou não decolando nas pesquisas e foi perdendo cada vez mais apoio para Bolsonaro, para evitar a vitória do candidato apoiado por Lula (o general Lott era do PSD, partido de Juscelino Kubitschek).

Quando chegou ao governo, Jânio imediatamente rompeu com figuras que o apoiaram. É importante levar em consideração que Bolsonaro fez exatamente o mesmo: não demorou para sair do partido e brigar com governadores e parlamentares que o apoiaram. Tanto Jânio quanto Bolsonaro não tinham/têm uma sólida base de sustentação parlamentar: em cada votação importante no Congresso, eles precisam negociar, e isso afeta a chamada “governabilidade”. Assim como Jânio reclamava da morosidade do Congresso, Bolsonaro tem muita dificuldade com o jogo da negociação. Assim como Jânio fazia um apelo direto às massas, Bolsonaro tenta governar sem os chamados “intermediários organizacionais” (partidos, Congresso etc).

Tanto JQ quanto JB representam uma tentativa de ruptura sem mudanças: romper com a lógica de funcionamento das instituições, ao mesmo tempo em que mantém os privilégios históricos das classes dominantes. O tensionamento se dá na superestrutura política, mas as bases materiais da sociedade permanecem intactas. Mas no final, ambos acabam do mesmo jeito: sem qualquer apoio consistente, tanto do lado dos opressores (alijados dos centros de poder decisórios) quanto do lado do povo (que sente no bolso o custo dessa aventura irresponsável).