Mais uma vez, o esquerdismo e o quietismo se unem tacitamente com a estratégia da extrema-direita

Por Demian Melo

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Imagem: reprodução da internet

O quarto congresso da Internacional Comunista em 1922 não preparou nenhuma discussão sobre o fascismo, que havia chegado ao poder em 30 de outubro daquele ano (dias antes do Congresso).

Representando os comunistas italianos, coube a Amadeo Bordiga fazer uma informe sobre o assunto. Lenin ficou chocado com a tese apresentada por Bordiga, segundo a qual não haveria grande diferença entre o fascismo e a democracia liberal. Seria possível apontar que Mussolini não havia fechado o regime italiano, e a ditadura propriamente dita só seria mesmo montada a partir de 1925. Mas as pretensões ditatoriais do fascismo eram evidentes.

Insatisfeito com o informe de Bordiga, Lenin designou a tarefa de elaborar um relatório sobre o fascismo para Clara Zektin, comunista alemã que apresentou o documento no Pleno da Internacional em 1923. Trata-se de um texto clássico das elaborações marxistas sobre o assunto, publicado há pouco tempo pela Autonomia Literária no Brasil. Zektin foi precisa em observar como a natureza contrarrevolucionária do fascismo era diferente de outras formas contrarrevolucionárias aparecidas naquele mesmo contexto. Ela mostra a distinção, por exemplo, da contrarrevolução branca do Almirante húngaro Horthy; e mesmo fazendo críticas duras à socialdemocracia, Clara Zektin não comete a estupidez de afirmar que o fascismo e a socialdemocracia era alas da mesma coisa.

Pois bem, o giro stalinista da Internacional Comunista acabaria reabilitando a visão tosca de Bordiga como política oficial a partir de 1928, com a teoria do “socialfascismo” defendida pelo próprio Stálin. Tal linha, como alertaria Trotski no início dos anos 1930 na Alemanha, foi responsável pela desorientação da esquerda alemã, no que era complementada pela socialdemocracia alemã que também buscava apresentar o nazismo e o comunismo como “irmãos gêmeos”.

Isso acabou sendo um presente para Hitler, que diante do colapso da República de Weimar viu o seu partido nazista crescer exponencialmente entre as eleições de 1930 e 1932. Enquanto a socialdemocracia perdia terreno eleitoral e os comunistas cresciam no mesmo campo, contudo numa proporção muito inferior ao crescimento nazista.

A crença de que “a história está do lado dos socialistas” seria um entorpecente presente nas principais organizações operárias (comunista e socialdemocrata), e em vez de revolução socialista a Alemanha viu o triunfo da mais brutal contrarrevolução até então, como em 1940 Walter Benjamin assinalaria em suas Teses Sobre o Conceito de História.

Quando hoje vejo algumas organizações trotskistas adotando algo muito similar como a linha stalinista para combater a ascensão da extrema-direita brasileira, o que é complementado pelo revival stalinista idiota que resolveu trocar a necessária autocrítica das experiências pela celebração dos equívocos do século XX, vejo que o caminho da tragédia contam novamente com improváveis aliados tácitos.

De modo análogo, o reformista tardio, mais enrolado com o liberalismo do que nunca antes, espera bovinamente a campanha eleitoral para tirar Bolsonaro do poder. Mais uma vez, o esquerdismo e o quietismo se unem tacitamente com a estratégia da extrema-direita.

É isso.