A burguesia nacional é justamente a classe quem gestou, sistemicamente, Bolsonaro e o genocídio atual

Por David Deccache

A burguesia nacional é justamente a classe quem gestou, sistemicamente, Bolsonaro e o genocídio atual – por David Deccache

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Imagem: reprodução da internet

A burguesia nacional (cujo representante mais destacado no parlamento é o centrão), trata-se de uma sócia menor e subordinada do imperialismo; de raízes escravocratas, espoliativa e autoritária. E é justamente a classe quem gestou, sistemicamente, Bolsonaro e o genocídio atual.

O desprezo à vida do povo e à democracia se revela, dentre outros, no seu histórico de recorrência à violência autoritária quando seus ganhos financeiros, frutos da espoliação, estão – mesmo que moderadamente – ameaçados.

Em 2016, patrocinaram um golpe parlamentar por intermédio da sua base de apoio no parlamento — também conhecida e autodenominada como centrão democrático. As razões para o golpe e suspensão da democracia eram simples: consideravam o recuado governo petista insuficiente para o avanço de um projeto de espoliação profunda do Estado e de esmagamento da classe trabalhadora. Projeto esse que passava pelo fim do debate democrático sobre o orçamento, cristalizado na Emenda Constitucional nº 95 (diga-se de passagem aprovada após o golpe). Aliás, a EC 95, o teto dos gastos, era elemento central na destruição da capacidade do Estado em manter o seu funcionamento básico no que tange o fornecimento de bens e serviços públicos, o que permitiria a essa burguesia —- que sempre viveu de espoliação —- usurpar as esferas de acumulação antes ocupadas pelo setor público.

Daí avançaram para a reforma trabalhista que tinha como fundamento recuar os direitos da classe trabalhadora para a situação laboral do século XIX. Ou seja, a burguesia nacional, incapaz de competir no mercado internacional cada vez mais acirrado, buscava manter a sua lucratividade com base no chicote, intensificando a exploração via mais valia absoluta. A classe trabalhadora, desorganizada e dispersa por conta da explosão do desemprego causada , principalmente, pelas políticas de austeridade fiscal pós-2015, não teve como resistir a tempo os ataques do capital.

A espoliação continuou com a reforma da previdência. A destruição dos regimes de previdência social e de repartição é sonho antigo dos representantes do capital financeiro na especificidade neoliberal do capitalismo. A previdência é um motor fantástico para os que querem desviar a riqueza socialmente produzida pela classe trabalhadora para a acumulação fictícia do sistema financeiro.

Além de estrangularem o debate sobre política fiscal e orçamento público com a aprovação do teto dos gastos, que congelou o orçamento por 20 anos, também decidiram avançar em outro sonho antigo: formalizar o fim da democracia no que tange o debate sobre a política monetária do Banco Central. Para tal, aprovou-se o projeto de dependência formal do BC ao sistema financeiro e independência, quase que total, do povo.

Mas nem a reforma da previdência, nem a autonomia do Banco Central e nem as tantas privatizações desejadas seriam possíveis e garantidas se eles não tivessem alguém de total confiança na presidência da República. Quando eu falo em confiança, não me refiro, apenas, a alinhamento ideológico. Me refiro a alguém disposto a tudo para dar andamento à agenda de espoliação. E tudo, por óbvio, inclui o uso da violência, repressão e suspensão das liberdades individuais. Esse alguém foi o Bolsonaro.

Essa burguesia, após tudo isso, decide voltar a disputar diretamente o poder em 2022 com os seus partidos e representantes mais tradicionais, já que boa parte do serviço sujo já foi feito por Temer e Bolsonaro. Para tal, tentam vender a narrativa de que, no Brasil, há uma polarização entre uma suposta extrema-esquerda e, de outro lado, a extrema-direita (que eles mesmo construíram). Essa narrativa depende do êxito da operação esquecimento: eles têm que fazer o povo esquecer a série de golpes e violências por eles lideradas nos últimos anos.

Dizem, em alto e bom som, que nós somos radicais. Tão radicais quanto o Bolsonaro. Radicais por qual motivo? Por que rejeitamos voltar ao nível de exploração que a classe trabalhadora vivia no século XIX com jornadas de 16 horas e salário de fome? Por que defendemos os serviços públicos de saúde, educação e afins? Por que somos contra entregarmos o nosso sistema de previdência baseado na solidariedade entre gerações para os bancos? Radicais porque rejeitamos, fortemente, o roubo das nossas estatais e das nossas riquezas naturais? Sim, nesse sentido, há, de fato, uma polarização no Brasil. De um lado nós, os radicais. Do outro eles e o Bolsonaro.

Dito isso, temos que ter muita cautela para não confundirmos a estratégia correta de aproveitarmos as contradições entre o centrão e o Bolsonaro para derrotarmos o mal maior com a aceitação desses elementos como democratas que lutam por um país melhor. O ajuste é fino e complexo, mas devemos ficar a par dos desafios. Não explorar as contradições da direita é erro crasso, mas marchar ao lado e permitir que o centrão se confunda conosco é, também, desastroso.