Nos dias que correm é preciso estarmos atentos.
Falas no estilo “o Brasil acabou” ou “estamos no fundo do poço” atestam tristemente que a desgraça não apenas se consumou mas que ela é também contagiosa.
O que um psicanalista tem a oferecer para o campo social nesse Brasil que cheira morte?
Na nossa clínica, constatamos diariamente os efeitos da silhueta da morte que atende pelo nome de governo bolsonaro.
E para o psicanalista não é difícil ver a prevalência da pulsão de morte nos discursos e atos vindos do governo e de seus seguidores.
Destruir, cortar, matar. É o ódio na boca do povo. Das elites escravocratas às SSs tupiniquins representadas pelas milícias, pela PM e pelos cristãos fundamentalistas, passando pela classe média abjeta iletrada e ressentida, temos vários matizes dessa força demoníaca que impregnou o país.
Porém, talvez o mais brutal, mais devastador (e eficaz) movimento da pulsão de morte do qual temos sido vítimas por parte desse governo é o desprezo ao sofrimento.
Essa é a máscara mais assustadora que a pulsão de morte usa.
Não é só (o que já seria muito) o descaso do presidente para com os mortos pela covid. É a sua vocação para o crime a frio.
Desqualificando, dessubjetivando e tornando anônima uma parcela da população. É assim que o governo pretende nos apagar. Para o torturador que habita a mente de bolsonaro, a morte real pode acontecer apenas como efeito colateral. Não nos esqueçamos: o torturador não quer matar seu objeto de tortura. Ele o quer vivo para poder gozar de sua submissão e de seu sofrimento. O objetivo de bolsonaro é o apagamento das subjetividades e é aí que a pulsão de morte entra como uma fonte a alimentar a psicopatia do presidente.
Desqualificar: eis o método.
Os índios, os negros, as mulheres, os LGBTs, a cultura, o meio ambiente, a educação. Reparem como o presidente age torpedeando desde dentro. Não precisa da força, pelo contrário, o método é o do enfraquecimento.
A dominação se dá por um “sistema de crenças”, uma ideologia que convida todos os seus apoiadores para a desqualificação de tudo o que cria laços, de tudo o que gera vida.
Esse é o ponto de onde vemos brotar a melancolização da vida por um lado, e a exacerbação dos atos perversos, por outro.
A psicanálise nos ensina que a perversão precisa encontrar um limite, um não, um corpo que a detenha diante de sua recusa sistemática ao outro e ao diferente.
Estamos, pois, neste ponto. O de brecar esse quadro de perversão e psicopatia generalizadas que ganhou voz e que usa de sua excitação maníaca para nos dividir, nos silenciar e nos melancolizar.
É preciso reagir com nossas mentes e nossos corpos. Com Eros, única força possível para deter esse batalhão e não sucumbirmos. Temos um projeto que é inegociável em sua origem: o da manutenção da vida e da criatividade.
No “Eclipse” de Antonioni, vemos um Eros doente…”durante o eclipse, até os sentimentos ficaram parados”.
Vittoria diz a sua vizinha: “aqui, há um grande cansaço, inclusive no amor”.
Parece que Eros adoeceu no mundo todo.
É preciso curá-lo e resgatar sua potência.
Para o psicanalista que não cedeu à tentação de ser apenas um técnico em seu gabinete ocupado com a garantia de seu ganha pão e com a manutenção do seu narcisismo, há muito trabalho pela frente.
A psicanálise não é apenas um instrumento de análise do inconsciente de um sujeito, mas é, acima de tudo, um instrumento de transformação social, porque trabalha nas bases daquilo que constrói as subjetividades.
Fora, Bolsonaro!
Fora, genocidas pela atuação e pela omissão!
Sobre a professora autora do texto
– É bolsista de produtividade (PQ 2) do CNPQ e procientista UERJ. Possui graduação em História, mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1995, 2000, 2006). Atualmente é professora associada no Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando na graduação e na pós graduação em História (PPGHS) e em ensino de História (PROFHISTORIA). Coordena projetos de pesquisa sobre o currículo de História no Ensino Básico, o livro didático e a problemática das identidades no ensino desta disciplina, na contemporaneidade. É líder atual do Grupo de pesquisa interinstitucional Oficinas de História, atuando nos campos da historiografia escolar e história cultural. É a atual coordenadora do PPGHS (Programa de Pós-Graduação em História Social do Território) da UERJ. Também dedica-se aos seguintes temas: linguagem em sua relação com o ensino e aprendizagem de História, história da escrita e formação docente.
(Texto informado pela professora)
Sobre a professora que compartilhou
Jornalista e professora de Jornalismo no Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Bacharel em Jornalismo pela PUC-Rio e em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Filosofia pela PUC-Rio. Doutora em Filosofia pelo Departamento de Filosofia da PUC-Rio.
(Texto informado pela professora)