Conforme prometi, em postagem anterior sobre alusões ácidas feitas, por Belchior, em algumas de suas letras, a Caetano Veloso, passo , agora, a contar aqui, para o meu pequeno grupo de leitores, algumas outras polêmicas que resultaram em grandes canções, em que os , digamos, oponentes, esmeravam-se na produção de canções em que atacavam e se defendiam das críticas, desfeitas, ou comentários desairosos feitos às suas obras. Isso é muito comum, sobretudo quando aparecem novas propostas estéticas, novos estilos, artistas de enorme popularidade, etc. Quem já se encontra estabelecido, consagrado no campo, sente-se incomodado com os noviços e bota, literalmente, a boca e a voz no mundo. Foi assim com o baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira ( anos 1940), bossa nova de João Gilberto (finalzinho dos 1950), jovem guarda de Roberto e Erasmo e Wanderléa, tropicalismo de Caetano e Gil e Torquato Neto (anos 1960) …a lista é longa.
Que fique bem claro: não sou crítico ou historiador voltado pra música popular. Nem almejo essa condição. Faltam-me, sobretudo, as qualificações técnicas minimamente necessárias para o exercício da escuta especializada. Sou apenas um ouvinte praticante, apaixonado por música, sobretudo a popular, e de gosto extremamente eclético, o que me leva a, com o mesmo respeito e sensibilidade e admiração, colocando-os em seus devidos contextos e intenções, ouvir e amar os mais díspares estilos, misturando – de acordo, inclusive, com a carga etílica a conduzir-me durante a escuta – a “Sonata ao luar” , do Beethoven, com o “Eu não sou cachorro, não”, do grande Waldik Soriano, esse artista que, a propósito, já passa da hora de ter o reconhecimento que merece. Serão textos leves e despretensiosos, apenas para o consumo de um grupo (pequeno em quantidade, mas enorme ao meu coração ) que, de modo muito generoso, acompanha os raros textos que aqui publico. Feitas essas considerações iniciais, passemos ao que interessa.
Em meados dos anos 1970, um novo (?) tipo de samba obterá enorme acolhida por parte do público, atingindo grandes vendagens de discos e execuções nas emissoras de rádio de todo o Brasil. De um lado, o acolhimento caloroso do público; do outro, o nariz torcido ( e meio preconceituoso) da crítica que imediatamente apelidou o novo estilo de “samba joia”, com evidente conotação pejorativa, criticando-lhe o romantismo popular, o uso do piano no samba, as letras simples, etc. Benito Di Paula, Agepê, Luiz Airão, Luiz Américo, Gilson de Souza e Wando , em não sendo os únicos, certamente serão emblemáticos do estilo, pela enorme popularidade de que desfrutaram nesse período, com canções que são , até hj, lembradas, regravadas.
O grande Paulinho da Viola , cultor do estilo mais tradicional de samba, àquela altura tendo já produzido alguns clássicos do gênero como, por exemplo, “Coisas do mundo, minha nega”, uma das mais belas letras recebidas por um samba no Brasil, em qualquer tempo, ficou incomodado e reclamou, em 1975, na bela “Argumento”, das “alterações”, ao seu ver, tantas e tão descaracterizantes que estavam levando a “rapaziada” das antigas a sentir a falta “de um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim”. E arrematou , em versos bonitos, aqui transcritos, o seu sonoro queixume:
“Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar”.
Foi um grande sucesso.
Em 1977, sentindo-se, com razão, alvo da sutil e bem educada crítica que lhe fora endereçada, Benito Di Paula, também com grande sucesso, apresenta seus argumentos, a sua voz (por sinal, belíssima), o seu grito de resistência, a sua condição de “bamba”. cuja hora de ir embora ainda não chegara, apesar das tentativas de tirar-lhe o nome do samba. E o Brasil cantou, como antes o fizera com “Argumento”, o lindo samba-canção (ou , talvez, balada) , cujo título já expressa a mágoa do maravilhoso Benito: “Osso duro de roer”. Vale muito a audição.