ONZE PILARES QUE O CHILE HERDOU DA DITADURA

Por Rejane Carolina Hoeveler (Tradução); Fonte: Fundación Sol

ONZE PILARES QUE O CHILE HERDOU DA DITADURA – por Rejane Carolina Hoeveler (Tradução); Fonte: Fundación Sol

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Imagem: reprodução da internet

1. RELAÇÕES TRABALHISTAS.
Decretos-Lei 2.756 e 2.758 (1979). Como parte de um plano integral de transformação social, chamado “As Sete Modernizações do Estado”, se reformula e institucionaliza um novo modelo de relações trabalhistas (presente até os dias de hoje). Mais que um plano laboral, se define principalmente como uma intervenção sindical, que redefine o papel del sindicalismo na sociedade: se rompe com a tradição de um sindicalismo de classe para instaurar um sindicalismo despolitizado e desmobilizado. Para cumprir com este objetivo, a nova institucionalidade proíbe a negociação coletiva por categoria, limita seus conteúdos e permite a demissão de trabalhadores em greve, no estilo anglo-saxão. A negociação coletiva, portanto, perde sua função distributiva (combate à desigualdade). Hoje, com 8% dos trabalhadores dependentes com contratos coletivos habilitados para a ação de greve (mas com a opção de serem substituídos), o Chile é o segundo país mais fraco da OCDE nessa dimensão. O que é conhecido no Chile como “negociação coletiva”, em outros países não é.

2. TERCEIRIZAÇÃO (SUBCONTRATAÇÃO).
Antes do Decreto Lei 2.950, a subcontratação (terceirização) era proibida no Chile; o decreto retira essa limitação. A subcontratação é reconhecida como necessária em todos os níveis, como parte das tendências descentralizadoras da produção para ganhar competitividade. Isso permanece intacto durante todo o período da Concertación [1988-2009]. Em 2007, quando a Lei de Subcontratação foi promulgada, havia a possibilidade de eliminar a subcontratação da atividade principal ou atividade comercial, mas isso não foi feito. O regime trabalhista “terceirizado” aumenta a probabilidade de ter emprego desprotegido em 30% (sem estabilidade ou seguridade social), dificulta o exercício pleno dos direitos coletivos e pressiona os salários.

3. PREVIDÊNCIA PRIVADA (SISTEMA AFP).
Em 1981, por Decreto Lei (n. 3.500), o sistema de pensões, até então solidário e de distribuição, é substituído por um de capitalização individual forçada. Significa mudar de um sistema cujo benefício é definido e estável para um de contribuição determinada e benefício incerto. Os fundos de previdência social são substituídos pelos Administradores de Fundos de Pensão (AFP), instituições privadas que buscam lucro e que, durante seus 32 anos de existência, forneceram capital de giro (dinheiro novo) a um seleto grupo de empresas chilenas: as maiores (apenas 20 empresas no Chile acumulam cerca de US$ 45.000.000.000). 32 anos após sua implementação, a capitalização individual da AFP apresenta um sistema que promove a acumulação de renda (através da especulação e uso dos fundos de pensão dos trabalhadores) e mantém pensões e salários muito baixos, fortemente apoiado pelo Estado (em julho de 2013, o valor médio das pensões pagas pelas AFPs era de 181.297 pesos chilenos).

4. SISTEMA FISCAL.
Em 1974, a integração de impostos entre empresas e seus proprietários é criada através do Imposto Global Complementar: os impostos que as empresas pagam por seus lucros conformam um crédito dado aos proprietários dessas empresas. Além disso, em 1984, foi criado o Fundo de Utilidades Fiscais (FUT), que permite o pagamento de impostos sobre lucros efetivamente retirados e não com base em sua simples existência. Isso permitiu que os proprietários de grandes empresas (principalmente) se beneficiassem do uso desses recursos por meio de investidoras que operam como veículos financeiros, a fim de criar uma zona livre onde os impostos não são pagos. Atualmente, estima-se que aproximadamente US$ 270.000.000.000 tenham sido acumulados no FUT. Dessa forma, hoje temos um sistema tributário pró-ricos, onde aqueles que ganham mais pagam menos impostos em termos proporcionais.

5. PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E ABANDONO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA.
Em 1981, a Educação Escolar foi desmembrada no Chile e as escolas começaram a ser financiadas através de um subsídio para o número de alunos que frequentavam as aulas. As escolas particulares também podem receber uma bolsa, no entanto, podem selecionar estudantes, obter lucro e, a partir de 1993, podem cobrar taxas (política de financiamento compartilhado implementada no primeiro governo da Concertación). Enquanto em 1981 havia 78% de matrículas na Educação Municipal, hoje restam apenas 36%, sendo o sistema educacional mais segregado do mundo. No ensino superior, desde 1981, foi permitida a criação de universidades, Centros de Formação Técnica (CFTs) e Institutos Profissionais (IPs) privados, gerando um mercado educacional e um crescimento inorgânico de matrículas. Hoje, as universidades estaduais possuem apenas 12% do financiamento tributário básico, 77% dos gastos com ensino superior são feitos pelas famílias chilenas e praticamente não há CFTs e IPs públicos.

6. SISTEMA DE SAÚDE.
Entre 1979 e 1981, foi decretado o fim do sistema de saúde pública: a criação de Fonasa (Fondo Nacional de Salud, 1980) e das Isapres (Instituiciones de Salud Previsional, 1981) instituiu o atual sistema de seguro misto no qual os subsistemas público e privado competem entre si, enquanto a municipalização dos Centros de Atenção Básica (1980) reduziu o escopo da responsabilidade do Estado. Os governos democratas (1990-2013) não modificaram essas fundações, limitando-se a intervenções na regulação, controle e controle de preços. Os resultados são claros: os “gastos públicos” em saúde hoje são um dos mais baixos entre os países da OCDE, enquanto os “gastos diretos” dos usuários são um dos mais altos. As empresas privadas, pelo contrário, florescem: em 2012, os lucros do ISAPRES alcançaram US $ 81.383 milhões, com um aumento nominal de 6,5% (real 4,9%) em comparação com o ano anterior.

7. SISTEMA BANCÁRIO.
Desde 1975, os bancos foram privatizados (exceto o Banco Estado), os bancos estrangeiros puderam entrar e as taxas de juros foram liberalizadas, e ajustadas de acordo com um “máximo convencional”. Desde 1981 – produto de uma crise interna (anterior à crise internacional) – a superintendência intervém transferindo as dívidas dos bancos para o Banco Central (não pagas até hoje), dando a eles acesso a divisas a preços preferenciais e à reprogramando suas dívidas ( 35% do PIB da época). Em 1986, foi criada a Lei Geral dos Bancos (LGB), que, entre outros, estabeleceu a segmentação da carteira de acordo com o tipo de risco (famílias de baixa renda são mais arriscadas e, portanto, taxas de juros mais altas). Na mesma linha, em 1999, as taxas de juros são segmentadas de acordo com as parcelas do empréstimo. Em 2001, o Artigo XIV do LGB, que permitia o funcionamento de instituições financeiras, é revogado e o requisito de capital mínimo necessário para estabelecer uma empresa bancária é reduzido pela metade (Art. 51 da LGB), gerando condições para os bancos de varejo, que não foi regulamentado até 2006.

8. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA.
Foi através de um plebiscito fraudulento que foi aprovada a Constituição Política de 1980. Alguns dias após o golpe, a junta militar nomeou uma Comissão Constituinte (“Comissão Ortúzar”), composta por membros de extrema-direita de confiança do regime, incluindo Jaime Guzmán, responsável pela redação do projeto da nova Carta Fundamental. Nele, é consagrado um papel subsidiário do Estado na economia e o direito à propriedade privada, relegando os direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho, a um segundo plano. Além disso, um papel de guardião da democracia foi entregue às Forças Armadas. Embora em 2005 tenha sido aprovada uma série de reformas com o objetivo de eliminar os “enclaves autoritários”, o legado autoritário e neoliberal ainda está presente. Hoje, o Chile continua a ser governado por uma Constituição cuja origem ilegítima não esteve na soberania do povo, mas nas mãos de um governo ditatorial.

9. FOMENTO EMPRESARIAL FLORESTAL.
O DL nº 701 foi promulgado nos primeiros anos da ditadura (1974) por um período de 30 anos, com o objetivo de fortalecer o setor florestal por meio de um bônus pela arborização de grandes áreas de terra com espécies florestais exóticas. Em 1998, esse sistema de bônus foi renovado com algumas mudanças por mais 15 anos e com efeito retroativo. Foi posteriormente renovado por dois anos, encerrando o período em 2012. Esse instrumento beneficiou principalmente as grandes empresas do setor, onde existe alta concentração (as empresas CMPC, Arauco e MASISA detém 64% das plantações florestais). Por outro lado, esse instrumento econômico teve um forte impacto na floresta nativa e sua substituição por espécies exóticas. Após 40 anos com esta lei, ainda não havia avaliação quanto aos impactos econômicos, sociais e ambientais. As organizações de povos indígenas declararam que não foram consultadas de acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o direito internacional, observando que não houve consulta prévia, restituição de locais sagrados ou consideração pelas populações indígenas.

10. DESNACIONALIZAÇÃO DO COBRE.
Consagrado na ditadura (1981) pelo então Ministro de Minas, José Piñera, através das ‘concessões completas’, a propriedade dos novos recursos de mineração foi transferida para empresas privadas em um processo conhecido como desnacionalização do cobre (Lei Orgânica Constitucional 18.097 de Concessões Minerais). Os governos subsequentes da Concertación deram sua aprovação a essa política, renunciaram à soberania sobre os recursos do cobre e desperdiçaram a oportunidade política que se abriu durante a primeira parte desta década com a discussão sobre os royalties da mineração. Hoje, 70% da mineração está em mãos privadas. Isso apesar da Constituição afirmar que “o Estado tem o domínio absoluto, exclusivo, inalienável e imprescritível de todas as minas”.

11. PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA.
O Código da Água, ainda em vigor, foi promulgado durante a ditadura pela DFL nº 1.122 em 21 de outubro de 1981. Este instrumento instalou um mercado de água sem precedentes através da propriedade privada deste recurso, permitindo ao detentor de um direito de uso comercializável. Da mesma forma, esse dispositivo anulou o papel do Estado como garantidor do uso racional da água, deixando a ‘determinação’ da necessidade de uso de acordo com critérios econômicos particulares em mãos privadas, substituindo assim a relação histórica do recurso com a terra.

Fonte: Fundación Sol, 2013.