Uma bobagem muito difundida na esquerda é a de que o assim chamado “identitarismo” seria uma abordagem “liberal” e “individualista” da luta de minorias.
Nada poderia ser mais equivocado. O identitarismo consiste numa rejeição a tudo o que o liberalismo político representa, seja quando aparece como movimento de identidade de maiorias, como no nazismo e nos atuais movimentos de identidade européia, seja quando aparece como movimento de identidade de minorias.
Sua característica básica é a de se rebelar contra a ideia de direitos iguais e universais baseados no que temos em comum, buscando direitos distintos para sua identidade baseados em alguma diferença essencial ou construída.
É daí que distinguimos dois tipos de identitarismo: o essencialista, geralmente baseado numa abordagem biológica que defende um fundamento genético dessa diferença que sustentaria as diferenças de direitos (movimentos raciais anti-miscigenação, p.ex.), e o construtivista social, relativista e que defende não haver nada universal ou comum à espécie humana, já que tudo seria socialmente construído (o movimento queer ou o pós-colonialista, p.ex.).
Ambas as versões de identitarismo são profundamente anti-liberais e tentam destruir o conceito de que o fundamento dos direitos e de qualquer julgamento deve ser o indivíduo e suas capacidades e méritos, e transfere, méritos e direitos, para a dimensão do grupo identitário. Mas o identitarismo pós-moderno, o construtivista social, ainda agrega a isso o irracionalismo anti-moderno.
O casamento perfeito deste último com o neoliberalismo não vem de um suposto “liberalismo”, mas de seu efeito prático de fragmentar uma sociedade em mil pedaços e destruir as identidades nacionais, sendo a contraparte cultural ao processo de destruição do Estado. Ele é financiado brutalmente por fundações como a Ford ou a Open Society e recebe espaço maciço na grande mídia não por ser liberal, menos ainda por ser de esquerda, obviamente, mas por ajudar a transformar um povo num aglomerado de mil identidades fragmentadas e inimigas.
Nessas identidades, a única coisa que sobra de concreto é o ajuntamento de meros consumidores pauperizados que choram pela morte do rei de Wakanda e vibram com o empoderamento das séries do Netflix enquanto sua filha está condenada a trabalhar como escrava para um aplicativo que cumpre todos os pré requisitos de representatividade em suas campanhas de marketing e talvez até em seu RH.
No fim, chegamos ao ponto de termos movimentos de minorias que pregam um mundo que é o exato oposto ao mundo sonhado por Gandhi ou Luther King.
Em seu mítico discurso de 63, King declarou para a eternidade que “Eu tenho um sonho, que minhas crianças um dia viverão em uma nação onde não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.”
A luta do identitarismo é a contrária: obrigar as pessoas a serem julgadas pela cor de sua pele, gênero, orientação ou etnia, e não pelo conteúdo de seu caráter.
– Gustavo Arja Castañon é graduado em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1998) e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Mestrado em Psicologia Social pela UERJ (2001) e em Lógica e Metafísica pela UFRJ (2009). Doutorado em Psicologia pela UFRJ (2006) e Pós-doutorado em Filosofia da Ciência pela Durham University (2015). É professor adjunto do departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora e professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Filosofia da mesma instituição. É membro do GT de Filosofia da Ciência da ANPOF e atua como pesquisador no NUHIFIP (Núcleo de História e Filosofia da Psicologia), UFJF, no NUPES (Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde), UFJF, e no CEPISHC (Centro de Epistemologia e História da Ciência) do PPGLM, UFRJ. Tem se dedicado à investigação do construtivismo filosófico e a problemas de Epistemologia da Psicologia, particularmente ao problema da natureza das leis e explicações científicas na disciplina.
(Texto informado pelo professor, reproduzido da plataforma Lattes)