A noção de estresse de minoria é muito produtiva para compreender a disforia de gênero. Disforia de gênero não é nada mais do que o sofrimento que decorre da incongruência entre a identidade de gênero de uma pessoa e o gênero que foi originalmente assignado no momento do nascimento dessa pessoa. Designamos como estresse de minoria o sofrimento que decorre das inúmeras situações de discriminação e exclusão social que uma minoria sofre. O modelo de estresse de minoria foi originalmente pensado para explicar e abordar o sofrimento de pessoas gays e lésbicas, mas a literatura mais recente também aplica para pessoas trans.
Parte significativa do sorfrimento psíquico que pessoas trans vivenciam se dá em função de estresse de minoria. Isso significa dizer que lutar por uma sociedade sem discriminação e exclusão social contra pessoas trans é sobre melhorar a saúde física e mental de nossa população – ou seja, efetivamente atenuar o nosso sofrimento psíquico. Não deve ser muito difícil de entender porque a inclusão de pessoas trans na sociedade e a efetivação e luta por direitos negados como educação, moradia, trabalho e saúde impacta positivamente na saúde dessa população.
No entanto, dizer isso não nos permite concluir que caso toda discriminação social contra pessoas trans seja abolida isso signifique que as pessoas trans deixem de necessitar de cuidados médicos relacionado a transição de gênero (terapia hormonal e cirurgias). É sabidamente comprovado por evidências científicas que esses cuidados atenuam a disforia de gênero. Então não é nenhum pouco absurdo dizer que parte do sofrimento relacionado à disforia de gênero decorre de uma experiência corporal que é eficazmente abordada por procedimentos médicos – literatura e evidência científica na verdade é o que não falta. Em um mundo ideal sem opressão de gênero pessoas trans vão continuar buscando e necessitando desses cuidados.
No discurso radfem por exemplo existe essa ideia equivocada que pessoas trans só procuram alterações corporais porque são oprimidas pelo gênero, o que redunda em dizer que seriam alienadas pelo gênero. Para um número pequeno de pessoas isso pode até ocorrer, mas para a esmagadora maioria da população trans é precisamente o contrário: conseguimos acessar e acessamos esses procedimentos de alteração corporal justamente porque estamos em uma sociedade mais justa e menos violenta contra nós, que cada vez mais compreende a nossa identidade sem estigma, ódio ou ignorância.