Nesta semana foi publicado o edital do tão esperado concurso para a prefeitura de Miguel Pereira. Mas qual não foi a surpresa de todos ao perceberem que este exige, para TODAS as vagas de professores, nível mínimo B2 de proficiência em inglês.
Muitas pessoas ficaram sem entender o que seria essa certificação e o porquê de tal exigência. Esse tipo de certificado é concedido por universidades de países anglófonos por meio de avaliações extremamente rigorosas. São exames caríssimos e que a maioria das pessoas falantes de inglês como língua franca não chegam a se aplicar, por ter pouca serventia (são exigidos para quem pretende cursar universidade no exterior, o que não é a realidade da maioria dos docentes brasileiros).
Mas então, por que a prefeitura de Miguel Pereira está fazendo tamanha exigência?
Recentemente, o prefeito da cidade publicou uma lei complementar (LC 327/21) que institui o ensino bilíngue na rede pública municipal. Lei esta que foi feita sem ter passado por qualquer discussão no Conselho Municipal de Educação e que foi propagandeada nas redes sociais como algo que iria “transformar Miguel Pereira em uma referência de ensino no Estado”.
Imaginem, seria mesmo algo interessante, nossas crianças serem alfabetizadas em inglês, saírem do Ensino Fundamental dominando completamente o idioma estrangeiro. Seria maravilhoso, no mundo ideal.
Agora, voltando para o mundo real, em que o ensino público é precarizado e carente de investimentos, em que os profissionais de educação são desvalorizados, sobrecarregados e enfrentam péssimas condições de trabalho, em que temos crianças com inúmeras dificuldades materiais, e que, por tudo isso, sofrem dificuldade de aprendizado, em que temos, como consequência, alunos semi-analfabetos no segundo segmento do Fundamental e tantos outros analfabetos funcionais – aliás, não só alunos, mas também adultos analfabetos, cidadãos miguelenses – ; diante disso tudo, não seria mais racional, mais prático, investir antes em uma política de infraestrutura escolar, de melhoria das condições de trabalho dos docentes, de combate ao desemprego e ao subemprego na cidade, e de combate ao analfabetismo funcional, antes de pensar em tornar bilíngues os nossos cidadãos? Aliás, uma política que tivesse em vista erradicar o analfabetismo na cidade, esta sim, nos tornaria referência, não só no Estado do Rio, mas no país todo. Isso sim seria revolucionar a educação da cidade.
O Sindicato Estadual de Profissionais de Educação do RJ (SEPE) vem denunciando desde o início do ano letivo que o custeio do Ensino Remoto e, agora, em parte do Ensino Híbrido, tem sido feito pelos professores e suas equipes diretivas. São estes profissionais que têm arcado com os custos financeiros, tecnológicos e técnicos para garantir o mínimo de acesso à educação aos alunos da rede pública municipal de Miguel Pereira. Em um ano em que houve aumento de repasse do FUNDEB, a desculpa que estes profissionais vêm escutando é “não tem dinheiro”. Ora, se não há dinheiro para garantir o mínimo para os alunos da educação básica, como se institui uma nova modalidade de ensino que representará maiores gastos para os cofres públicos, especialmente com capacitação profissional?
Nós, professores da rede, alunos, pais e responsáveis, cidadãos, contribuintes devemos questionar os motivos por trás desse novo projeto da prefeitura. A lei que institui o ensino bilíngue não apresenta nenhuma justificativa político-pedagógica, nenhum estudo, nenhuma projeção, nada. Mais parece uma daquelas ideias mirabolantes do prefeito (alguém se lembra do Parque dos Dinossauros?) que servem para constar nos materiais de propaganda eleitoral mostrando as “conquistas” do seu mandato. Seria o caso da motivação ser capacitar melhor nossos jovens para o mercado de trabalho? Mas se for este o caso, será que o prefeito desconhece a realidade econômica do país, a grave crise por que passamos, com a taxa de desemprego e subemprego nas alturas, onde mesmo aqueles formados em curso superior, quando conseguem algum emprego, é de baixa qualificação? Ou seria uma tentativa de qualificar nossos cidadãos para receber turistas gringos, na toada projeto de resgatar a economia de Miguel Pereira ao transformá-la em um polo turístico? Poderia ser a intenção real deste edital a contratação apenas de pessoas de fora da cidade (tendo em vista que pouquíssimos docentes miguelenses possuem essa qualificação), ou mesmo que não haja contratação nenhuma, priorizando os contratos temporários em detrimento das carreiras estáveis? Seria simplesmente um fetiche colonizado pelos Estados Unidos?
No plano de governo do atual prefeito, as propostas para educação estavam focadas na ampliação do acesso à educação pública, no investimento em cursos técnicos e no ensino híbrido, ampliação de vagas em creches e valorização dos profissionais da educação. Temos visto muito pouco ou quase nada dessas propostas sendo cumpridas. Agora, por que essa mudança tão grande no projeto educacional do município? Por que não foi feita consulta pública à população para saber o que realmente é mais interessante, urgente e viável? A que interesses esse ensino bilíngue em toda a rede atende, enquanto temos problemas graves na educação municipal? Nesse modelo de governo, o povo não participa, assiste as tomadas de decisões e os projetos sem propósito claro de forma passiva, encontra-se alijado do debate e das decisões que impactarão diretamente em suas vidas e nas de seus filhos.