Nem tenho palavras para expressar a repulsa que sinto pelo deputado Otoni de Paula. Mas é grave, muito grave, que um juiz tenha determinado que ele – bem ou mal, um parlamentar no exercício do mandato – não pode criticar o Alexandre de Moraes.
Não é apenas pelo precedente que está sendo criado – se esses instrumentos estão sendo usados assim nessa briga de família dentro da direita, imagina quando julgarem que a ameaça parte da esquerda. É um fundamento de qualquer ordem democrática que está sendo erodido.
Pensei em algo escrito por Robert Dahl e Charles Lindblom – dois autores, aliás, que deveriam ser estudados por quem usa “liberal” como xingamento. Num livro importante dos anos 1950, menos lembrado do que mereceria, Politics, economics & welfare, eles dizem o óbvio: que a democracia exige o abandono do uso da violência aberta na política.
Em seguida acrescentam – com ironia característica, mas a sério – que, no entanto, é permitido “um determinado comportamento substitutivo. O presidente cujo desejo inconsciente seria atirar em todos os congressistas é livre para chaciná-los no microfone”.
Portanto, a ampla liberdade de expressão concedida a detentores de mandato serve tanto ao princípio do livre debate público quanto ao desejo de evitar a violência aberta.
Otoni de Paula teria ultrapassado um limite caso tivesse incitado a violência contra Alexandre de Moraes – como fez Sara Geromini. Ou caso saísse propagando deliberadamente notícias falsas – como ele mesmo propaga, aliás, em tantas outras situações.
Situação mais complexa ocorreria caso ele tivesse atribuído ato criminoso ao ministro do STF. Ainda assim, estaria dentro dos limites da imunidade da expressão parlamentar e da disputa política. Caso contrário, por que a justiça nada fez e nada faz diante dos incessantes comentários caluniosos contra Lula e contra Dilma? Seria necessário apagar uma boa metade, talvez até mais, do conteúdo de toda a direita nas redes sociais, nos últimos dez anos…
No caso, no entanto, o deputado apenas aplicou a Alexandre de Moraes os epítetos “canalha” e “déspota”. É ofensivo? É. É injurioso? Somente se o entendimento de “injúria” for tão lasso a ponto de inibir a discordância pública. E, sobretudo, é próprio da ação parlamentar dirigir-se de forma dura a seus adversários políticos.
Não tenho dúvidas de que a folha corrida de Otoni de Paula o credencia a várias punições. Mas que sejam pelos motivos corretos.
– Luís Felipe Miguel é Professor de Ciência Política na Universidade de Brasília. Coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades;
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