A recentemente declarada greve das trabalhadoras e trabalhadores dos Correios reacendeu na sociedade a discussão sobre empresas públicas, sua eficiência e necessidade ou não de privatização.
Veja a opinião sobre o tema de quatro professores, compartilhadas em suas Redes Sociais:
Amanhã começa a greve dos Correios e essa é não é igual às outras.
Juary Chagas – Doutor em Serviço Social, um dia antes do início da greve
Nos últimos anos nos acostumamos a greves por aumento de salário (que também são legítimas), mas esta inclui algo ainda mais importante: a luta contra a privatização e a quebra do monopólio postal do Estado.
Não acredite nesses cabeças de vento liberais que aparecem de tempos em tempos com contos da carochinha, dizendo que “com a concorrência e o controle da iniciativa privada o serviço vai melhorar e os preços baixarão”.
É mentira.
Com a iniciativa privada mandando nos Correios, o objetivo deixará de ser um serviço postal de natureza social. Empresa só visa o lucro e os preços irão todos aumentar (como ocorreu com as empresas de energia), ficaremos à mercê dos cartéis do serviço postal. A qualidade do serviço também vai cair, porque logo vão demitir boa parte dos trabalhadores, serão poucos para dar conta das entregas. As cidades de pouquíssimos habitantes ou de território de floresta (que hoje têm as entregas garantidas inclusive de barco) serão fortemente afetadas, pois não geram lucro e por isso não são atrativas para uma empresa privada. Isso sem contar os trabalhadores que sofrerão ainda mais com demissões e precarização.
Não é a hora de se preocupar com sua encomenda que ainda não chegou, porque amanhã você vai sofrer muito mais.
Apoie essa luta, os carteiros precisam da nossa solidariedade!
Pouca gente sabe, mas nem toda empresa pública é exploradora de atividade econômica. Algumas empresas públicas existem apenas para prestação de serviços. É o caso dos Correios.
Ivan Lemos – Doutor em Geologia, ontem
A exclusividade dos Correios é apenas na entrega de cartas. A entrega de encomendas é aberta; qualquer empresa privada pode entrar e prestar o serviço como já ocorre.
A questão é que as empresas privadas só atuam nas regiões mais centrais. Não atuam em regiões afastadas pq teriam de realizar altos investimentos em infraestrutura e logística para atender estas regiões.
Se os Correios for privatizado, na prática está apenas se transferindo ao setor privado a entrega de cartas pq nas encomendas não há exclusividade; as empresas privadas já atuam neste segmento
Ocorre que a entrega de cartas sob o controle do setor privado pode prejudicar as regiões afastadas pq é improvável que estas empresas queiram prestar o serviço nas localidades distantes, pois não teriam faturamento suficiente para cobrir os custos, ou seja, teriam prejuízo e onde há prejuízo o setor privado não atua
Mas estas regiões afastadas precisam do serviço de postagem, afinal muitas delas não tem acesso à internet ou telefonia. Aqui na Amazônia conhecemos bem esta realidade. Que empresa privada vai querer investir para entregar cartas lá nas comunidades ribeirinhas?. Ou no sertão nordestino?
Essa é a questão que tem que ser pensada quando se fala em privatização dos Correios. Porém o que mais se vê é o discurso panfletário ultraliberal que tenta passar a falsa ideia de que o fim dos Correios seria uma “revolução” quando na verdade não muda nada na história, pois o mercado de encomendas já é aberto.
Manter os Correios para prestar o serviço de entrega de cartas é muito importante sobretudo num país de dimensão continental e muita disparidade entre as regiões.
Aqui em casa, de vez em quando fazemos compras no exterior com envio pelos Correios, em geral livros e blu-rays. Com o isolamento, isso se tornou até um pouco mais frequente.
Luis Felipe Miguel – Doutor em Ciências Sociais e Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), hoje
Não é nenhuma maravilha, mas funciona. Às vezes atrasa. Uma vez teve um extravio – com os caminhões dos Correios transportando cada vez mais pacotes e menos cartas, parece que se tornam alvo prioritário para assaltos. A segurança não foi reforçada à altura.
Uns dois meses atrás, decidimos comprar temperos metidos a besta numa loja francesa. Culpa também da quarentena: vontade de uma comida diferente.
A loja só trabalhava com Fedex. O frete ficava bem mais caro, umas três vezes o valor do uso do serviço postal regular, mas não tinha outra opção.
Depois de feita a compra, passamos a ser bombardeados por e-mails quase diários da Fedex, informando que a encomenda estava a caminho, quase chegando etc.
Chegou, de fato, no dia programado. Mas com um “extra” que nenhuma mensagem havia anunciado: uma cobrança adicional de mais de 700 reais (bem mais do que o valor dos produtos), a título de taxas diversas.
Não pagamos, claro, e ficamos sem os temperos (a loja depois nos ressarciu). Descobrimos que a Fedex paga ou diz que paga os impostos de importação e circulação mesmo quando a encomenda seria isenta (como era o caso). E em seguida acrescenta uma polpuda remuneração a si mesma, pelo serviço de “despachante”.
Apesar de todo o sucateamento, do financiamento insuficiente, dos ataques, da corrupção, os Correios continuam sendo a empresa que presta serviços essenciais a todo o Brasil, mesmo aos rincões afastados.
Também é seguro pensar que, sem os Correios, milhares de pequenas empresas brasileiras desapareceriam – porque os consumidores não conseguiriam arcar com os custos do frete das empresas privadas.
A greve dos trabalhadores dos Correios é também em defesa de um patrimônio do Brasil. Merece toda a solidariedade.
Vejo pessoas de raciocínio mesquinho dizendo que não vão apoiar a greve dos trabalhadores dos Correios alegando que estes “votaram no Bolsonaro”. É o tipo de raciocínio estúpido que se for seguido pela esquerda Bolsonaro pode ficar tranquilo para continuar fechando o regime, atacando os direitos sociais e entregando o país.
Demian Melo – Doutor em História (Parabéns pelo seu dia – 19/08 – do historiador, professor !
Quem pensa assim não quer fazer política, e também não quer derrotar Bolsonaro.
Nunca pararam pra pensar que esse verme teve a maioria dos votos válidos, e por isso venceu formalmente o pleito. Não acho que a esquerda fez certo em aceitar o resultado eleitoral de 2018, mas a pior atitude a tomar é criar um muro com a maioria de eleitores que votou nesse verme. Pois se entre os eleitores tem um parte de escória, gente imprestável e de comportamento fascista, boa parte dos seus eleitores não são assim e é preciso dialogar com eles.