O que está em jogo dia 7?
1- O bolsonarismo vem perdendo força política, tendo esta perda dois traços visíveis: a decrescente expectativa de que seja competitivo em 22 e o relativo – em mil tons de cinismo e oportunismo que seja – abandono por parte da alta burguesia e seus prepostos políticos.
2- O que é o dia 7 pra eles? Ninguém tem dúvidas das intenções antidemocráticas do presidente, desde sempre. Se as demais forças – institucionais e sociais – permitissem ou permitirem ele daria um golpe em seu próprio favor. Não parece é ter forças pra isso.
3- O fato de que um golpe seja improvável não significa que esse esforço máximo de mobilização que as hostes bolsonaristas estão fazendo não faça sentido. Com a atual situação econômica é improvável que o bolsonarismo cresça muito nas massas no imediato. Mas eles podem lançar um último trunfo: a ameaça. Criar uma ideia de que derrubá-los (e julgá-los, prendê-los) tenha um “custo” muito alto, para fazer as outras forças recuarem. Parece-me que este é o objetivo: voltar ao jogo de onde vem sendo varridos.
4- A esquerda e movimentos sociais decidiram – e tem toda a legitimidade pra fazê-lo – se mobilizar também no dia 7, em outros locais, claro (aliás, há mais de 20 anos a esquerda faz manifestações dia 7, só que costumam ser pequenas). Como em qualquer manifestação – muito em especial as que ocorrem fora da Islândia – exige-se dos manifestantes atenção, cuidado, atenção à coordenação, especialmente para que não se entregue ao lado de lá algo que queiram. O debate sobre dias, horários, locais, eixos dos atos é super legítimo, mas acho que se faz nos espaços organizadores (todo mundo tem acesso a algum sindicato, partido, movimento, é só procurar um pouquinho e, se for ao ato, ir com as orientações do pessoal que tá chamando e que tem mais experiência nisso).
5- O fato do golpe bolsonarista parecer muito improvável em sua versão consolidada, não significa que eles não possam fazer muita bobagem, causar muito prejuízo, dano, violência e, sobretudo, dano ao futuro. Essas coisas geram traumas que não se apagam facilmente e que viram cicatrizes às vezes difíceis de apagar na trajetória de democratização que venha a existir no futuro. Portanto, quanto mais e quanto antes os estragos dessa turma puderem ser debelados, assim temos que tentar fazer: obrigação jurídica pras instituições e moral pros que tem compromisso com as maiorias.
O que acontece no Estados Unidos?
Quem acredita ou age como se o bolsonarismo fosse um sonho ruim, que vai passar assim que acordarmos e tudo “voltará” a ser lindo, devia prestar mais atenção ao que acontece no Estados Unidos:
– uma lei super restritiva ao direito das mulheres à interrupção da gravidez foi aprovada no Texas e validada pela Suprema Corte, com efeitos reais e simbólicos fortíssimos;
– movimentos reacionários contra o ensino e a conscientização sobre o racismo nas escolas se espalharam por diversos estados;
– legislações estaduais restritivas ao exercício do direito ao voto por minorias (não brancos em geral) estão sendo propostas ou avançando pelas beiradas;
– os republicanos conseguem bloquear indefinidamente certas medidas do governo Biden;
– passado um primeiro impacto de alívio com o afastamento de Trump e enfrentamento da pandemia e suas consequências a “moderação” de Biden-Harris produz um pólo cada vez mais fraco frente a uma extrema-direita numerosa e ressentida;
– Trump começa a ser descartado pela extrema-direita republicana, que o considera moderado demais …
O fenômeno da ascensão destas forças anti-direitos não é episódico e superficial. É uma crise profunda do modelo de civilização oferecido pelas elites dominantes no pós-guerra. Essas diferentes direitas extremas são propostas de resolver a crise aprofundando todas as piores características dos regimes. Encontra apoio nas burguesias, mobiliza setores médios, atrai precarizados, engana setores de massas colocando-os em direção ao abismo. Não se resolve só com eleição, com “voltas” mágicas. Exige projeto polarizador; reverter a marcha atual que é muito mais do que da “insensatez”.