Ontem, a manchete da Folha foi “Bolsonaro insufla protestos; governadores pedem diálogo”.
A de hoje é “Bolsonaro é instruído a ignorar reunião com governadores”.
Qual é o grau de ingenuidade política que leva alguém a pensar que um “diálogo” com Bolsonaro fornecerá soluções para a crise?
A estratégia dele é transparente. Sabe que suas chances seguindo as regras do jogo são cada vez mais diminutas.
A produção do caos, por outro lado, permite sonhar com resultados inesperados. Um deles, quem sabe, pode beneficiá-lo.
Enquanto isto, jornalistas e políticos garantem que os militares não vão apoiar uma tentativa de golpe.
Secundam Bolsonaro em todas as suas ações, mas não vão apoiar uma tentativa de golpe. Comungam das mesmas ideias, mas não vão apoiar uma tentativa de golpe. Alinham-se às teorias conspiratórias, mas não vão apoiar uma tentativa de golpe. Sentem-se tentados a vetar uma vitória eleitoral do namorado de Janja, mas não vão apoiar uma tentativa de golpe.
É a nova versão do “não vai ter golpe” – que, como todos sabemos, não impediu que a democracia fosse derrotada em 2016.
Mas uma versão muito piorada, diga-se de passagem.
O “não vai ter golpe” de 2016 voltava-se a estimular nossa ação. Estava implícito: se nós nos mobilizarmos, não vai ter golpe.
Já o novo “não vai ter golpe” aponta para a inação. É tipo “fiquemos tranquilos, as Forças Armadas são nossas amiguinhas, não vai ter golpe”.
Nada garante que seja assim. E as condições para um golpe de sucesso não são dadas, são construídas. É o que Bolsonaro está fazendo, à sua maneira: construindo as condições para o golpe.
As Forças Armadas nem precisam estar à frente. Podem ser colocadas diante de situações de fato, puxadas por polícias militares que hoje formam o setor mais vocal do bolsonarismo.
Os atos programados para o 7 de setembro serão um teste importante. O bolsonarismo já deixou claro que deseja ir além dos passeios de moto. As manifestações têm o objetivo de agredir e intimidar.
A resposta a elas é crucial. Se não punirem, com rapidez e severidade, perpetradores e (sobretudo) mandantes, as instituições passarão novamente o recado de que o caminho da preparação do golpe está livre.
Alexandre de Moraes, nos casos de Roberto Jefferson e Sérgio Reis, e João Doria, em relação ao coronel Lacerda, agiram na direção correta. Mas ainda é muito insuficiente.
É necessário chegar em Bolsonaro. Ele não liga para quantos pretensos “mártires” do fascismo surgirem – são até úteis para a agitação de sua base.
Bolsonaro é quem tem que ficar com medo e sentir que suas palavras e ações terão consequência.