1. Em outros períodos históricos, os comandantes das Forças Armadas assumiram posições nacionalistas e progressistas na área da economia. No governo Vargas, por exemplo, a decisão de lançar as bases da industrialização pesada contou com forte suporte militar, mais até do que da própria burguesia brasileira. Mas na área social continuavam sustentando posições reacionárias, e um anticomunismo visceral.
2. Entre os oficiais de baixa e média patente, circulavam ideias mais progressistas, como foi o caso do tenentismo na década de 1920 (de onde saíram figuras extraordinárias, como Luís Carlos Prestes, o “cavaleiro da esperança). A Insurreição Nacional Libertadora, chamada pela cúpula do Exército de “Intentona Comunista”, teve forte apoio entre os soldados, que chegaram a tomar o poder em Natal, Recife e ainda conseguiram enfrentar as forças oficiais no Rio de Janeiro.
3. Nem todos os militares apoiaram o golpe de 1964. Em março daquele ano, alguns dias antes do golpe, milhares de marinheiros se amotinaram como forma de protesto contra os seus superiores (numa demonstração de simpatia pelo então presidente João Goulart). Depois da consumação do golpe, mais de 1500 marinheiros foram expulsos de forma injusta e arbitrária, afinal eles só estavam defendendo a Constituição.
4. Apesar do predomínio de uma visão conservadora dentro das Forças Armadas, forjada nos quadros da ESG (Escola Superior de Guerra), muitos militares questionavam os valores que eram ensinados. Em 1984, a chapa nacionalista que disputou a eleição para o Clube Militar recebeu cerca de 40% dos votos. Esse grupo, liderado pelo general Andrada Serpa, defendia eleições diretas para presidente, era contra o pagamento da dívida externa e propunha a limitação do capital estrangeiro no país. Eles eram críticos da dependência econômica e propunham um modelo de desenvolvimento capitalista autossustentado.
5. Como sabemos, depois do golpe muitos desses militares nacionalistas foram expulsos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Alguns inclusive participaram da luta armada contra a ditadura, como Carlos Lamarca. Outros lutavam para serem reintegrados, alegando que foram expulsos por motivos políticos (e não disciplinares, como alegavam os comandantes). Formaram-se associações de defesa dos militares explusos, como a FADA (Federação das Associações de Defesa da Anistia) e a UMNA (União dos Militares Não Anistiados). Junto com a ADNAM (Associação Democrática Nacionalista de Militares), eles lutaram no processo de transição política pelo restabelecimento da justiça e pagamento de indenizações.
6. O general Euler Bentes Monteiro, outro militar nacionalista, chegou a disputar a presidência da República em 1979, mas foi derrotado por Figueiredo naquela ocasião (numa eleição indireta, onde predominavam as forças mais conservadoras). Assim como Andrada Serpa, Euler Bentes Monteiro era nacionalista e crítico da ditadura militar.
7. Embora a ditadura tenha acabado em 1985, o fato é que o chamado “entulho autoritário” ainda não foi removido. Na atual Constituição, os dispositivos que tratam da segurança pública e da destinação das Forças Armadas são praticamente os mesmos das Cartas outorgadas em 1967 e 1969. Não houve justiça de transição no Brasil, e os militares que prenderam arbitrariamente, torturaram, mataram e ocultaram cadáveres nunca foram colocados no banco dos réus. Na Argentina e no Uruguai, alguns ditadores foram condenados à pena de prisão perpétua, e inclusive morreram na cadeira. O mesmo aconteceu com oficiais nazistas depois da segunda guerra e também com o marechal Philippe Pétain (líder do governo francês durante a segunda guerra mundial, que foi condenado à pena de morte por traição e colaboração com os nazistas) e o ex-ditador grego George Papadopoulos.
8. Resumindo: se a imagem que temos das Forças Armadas brasileiras é a de militares que só se preocupam em defender privilégios (como auxílios e pensões para suas filhas e viúvas), é porque aconteceram expurgos que alteraram completamente a correlação de forças no seu interior. As Forças Armadas não são um monolito, estão em disputa, e existem setores realmente progressistas no seu interior. Infelizmente, o Alto Comando representa hoje, como em praticamente todos os períodos da história, o que existe de mais reacionário, vil e entreguista. Não nos representam.