Nathalie de la Cadena
Não há guerra. Há genocídio dos palestinos.
A primeira vez que entrei em contato com o sofrimento do povo palestino foi em 2001 quando na Argélia, no Festival Mundial da Juventude, conheci a delegação dos palestinos. Apátridas, pois como a Palestina não é um Estado, não pode emitir passaporte. Os palestinos não recebem passaportes por parte do Estado de Israel, por isso quando saem do território palestino sem autorização de Israel ficam presos do lado de fora, não podem voltar, são separados de suas famílias. No Direito Internacional, não há um Estado que os proteja, estão abandonados no mundo. Nenhum país quer recebê-los, pois seus documentos não tem validade alguma.
Além desta situação terrível, ouvi relatos e vi fotos dos massacres que os israelenses promovem nos territórios palestinos. São invasões a residências, prisões arbitrárias sem julgamento, sem comunicação com a família e sem direito a recurso, bombardeios que atingem áreas civis como escolas e hospitais e incursões nos territórios que acabam com muita frequência em assassinato, incluindo assassinato de crianças.
A segunda vez que entrei em contato com o sofrimento do povo palestino foi em 2011 quando viajei para Israel e cruzei o check-point para entrar na Cis-jordânia e visitar Nazaré. O muro que divide o território israelense do território palestino é altíssimo e atravessa o meio da cidade. Todo o comércio da rua acabou, foi destruído. As crianças andavam pelas ruas com roupas velhas e rasgadas, pedindo ou vendendo algo. Vi algumas que brincavam próximo a um lixão que dava vista para as casas dos judeus ortodoxos que fazem questão de morar em assentamentos que ocupam irregularmente áreas palestinas, um absoluto desrespeito aos Acordos de Oslo (1993).
Comemos num restaurante que não tinha mais ninguém. Nos serviram uma comida maravilhosa. Foram extremamente gentis. Ofereceram o que não comem. Algo nítido quando vimos o constrangimento de nosso guia Ali Jebreen quando o convidamos para sentar conosco.
Na Cis-jordânia e principalmente em Gaza, as calorias são racionadas, a quantidade de alimento que entra é controlada por Israel. A energia elétrica é racionada, sempre mantida em baixa tensão, a luz das lojas oscila constantemente, não dá para ligar aparelhos que demandam mais energia. A ajuda humanitária mesmo quando vem por mar, no caso de Gaza, é impedida de entrar. Os painéis solares doados aos palestinos são impedidos de entrar pelos israelenses e os palestinos que tentam manter painéis solares são atacados pelo exército israelense que os destrói. A ajuda humanitária e medicamentos também não entram, inclusive abordando e atacando delegações estrangeiras.
O que acontece na Palestina é um genocídio promovido por Israel. Um genocídio lento aos olhos do mundo que assiste inerte e indiferente ao sofrimento dos palestinos.
Diogo Fagundes
Há uma semelhança inquietante entre Israel e África do Sul, para além do apartheid colonial, que poucos notam: ambos defendem suas atrocidades com o argumento de que são democracias parlamentares em regiões onde este regime político não está solidamente implementado. Podem pesquisar: quando EUA e Inglaterra sustentavam o extinto regime racista, quando Thatcher chamava Mandela de “terrorista”, batiam na tecla da “democracia”. Isto é só mais um sinal de que em âmbito global esta palavra, com uma bela história pretérita, é só um tema vulgar de propaganda ideológica.
Sob a égide da defesa do modelo político ocidental, países inteiros, como Iraque, Síria e Líbia, foram destruídos. Não pensem que faltou, na defesa dos bombardeios e ações militares contra estes povos, uma grande ajuda da mídia e de intelectuais popstar serviçais a Mamon. Um exemplo é o hiper-midiático e tagarela Bernard-Henry Lévy, que gostava de lembrar da culpa dos intelectuais marxistas na geração de massacres como os ocorridos no Camboja do Khmer Rouge, mas se esqueceu de olhar para as consequências de sua defesa apaixonada do Ocidente liberal e sua exportação da democracia.
O pessoal tem memória curta, há um fingimento tácito e generalizado de que não há responsáveis depois que os desastres ocorrem, mas eu não esqueci do papel destes ideólogos na defesa do bombardeio da Líbia pela Otan, ao lado de todos os partidos institucionais franceses, incluindo o Partido Socialista e até o Melénchon. O que, na verdade, é o padrão, pois a esquerda europeia tem muito sangue derramado em guerras coloniais — a começar pelas “uniões sagradas” de 1914-1918 — em suas capivaras, como podem testemunhar os argelinos e vietnamitas. Podemos depositar na conta deles a volta da escravidão e a criação de um estado de guerra civil ininterrupta na Líbia, antigo maior IDH da África? As violências recorrentes cometidas contra palestinos não são frequentemente validadas em nome da democracia e dos interesses ocidentais? Por que esta satanização de palavras políticas — como fizeram com o comunismo — só é aplicada seletivamente? São pergunta retóricas, vocês obviamente entenderam onde quero chegar: se fôssemos condenar ideologias políticas por conta de sua instrumentalização para fins horríveis, ninguém mais poderia se dizer democrata!