Muitas vezes, ao acompanhar o noticiário, fico com a seguinte impressão: a democracia eleitoral é uma inconveniência respeitável. Todo mundo faz juras de amor mas na prática pensam e agem como se ela não pudesse realmente fazer sentido, como se a simples ideia de haver mudanças de orientação política e programas de governo decididos a partir de eleições fosse absurda.
Por exemplo: foi só o Lula voltar pro jogo que já começou uma boataria nervosa a respeito de um possível novo governo comandado por ele. Hoje, o InsperNews, vulgo Folha de SP, veio com uma matéria indicando quais seriam os nomes cotados como “Posto Ipiranga” do PT.
A matéria, aliás, é notável pela ausência de qualquer suporte em evidências verificáveis: as fontes estão em off, claro, e todos os nomes sondados negam terem sido procurados, o que só faz parecer que é uma grande plantação com intuito de criar um clima de naturalidade artificial a respeito do “consenso” econômico bem pouco consensuado, imposto quase na forma de Lei escrita em pedra.
E quais seriam os nomes de preferência do PT?
“Nessa lista de bem cotados estão Bernard Appy, Marcos Lisboa, Murilo Portugal e Henrique Meirelles, por exemplo.”
Uau, que surpreendente! Era difícil imaginar esta. Todos estes são grandes queridinhos da banca e do seu batalhão de funcionários, com vínculos de lealdade incondicionais ao mercado financeiro e ao neoliberalismo.
Dado que os cargos da área econômica, com destaque para a Fazenda, são tratados como super-poderosos e determinantes para a funcionalidade de todo o governo — até porque estes faria limers se metem a dar pitaco sobre qualquer política pública e setor –, na prática funciona assim: não importa quem for eleito, o programa e a agenda têm de ser os mesmos, os únicos aceitáveis, aqueles de agrado do “empresariado” (entre aspas porque esta gente nunca produziu um só parafuso). O modelo ideal é o governo Michel Temer: presidente fraco, fraquíssimo, quase irrelevante, apenas dando aval às decisões econômicas já estabelecidas previamente.
Se as coisas não apenas são como têm de ser assim, por que perder tempo com procedimentos dispendiosos? Para que parar o país para organizar urnas e contar votos, se os principais “empresários” do país poderiam simplesmente só se reunir e decidir os nomes que mais representam seus interesses, dispensando as formalidades?
Pois esta é uma conclusão tão natural que alguns ultra-liberais gringos resolveram chutar o balde logo de uma vez e aderir abertamente a uma espécie de ideário neofeudalista (vide os desenvolvimentos recentes da Escola Austríaca de Economia, como Hans-Hermann Hoppe), sonhando com monarquias ou câmaras de CEOs (inspiradas no cameralismo da Prússia absolutista!) decidindo como déspotas esclarecidos. Alguns bilionários do Vale do Silício já defendem abertamente tais ideias, a exemplo do co-fundador da Pay Pal, Peter Thiel.
Apesar de o conceito restrito de democracia em voga, reduzido a um exercício formal periódico e numérico, já ser um tanto medíocre, estas tendências abertamente oligárquicas vão um tantinho mais longe no afã anti-popular. Mas o radicalismo reacionário é apenas aparente: trata-se da conclusão paroxística mas lógica dos princípios extraídos do rame-rame rotineiro do debate político.