Temos visto nas redes sociais a algaravia de vários grupos ligados à esquerda criticando o discurso anti-ciência do presidente do Brasil, mostrando-se incapaz de compreender como essa postura encontra aliados na população brasileira. É certo que há um grupo, pequeno, de bolsonaristas raiz, que apoiam qualquer coisa que o presidente diz. E com essas pessoas, que beiram ao fanatismo, é quase impossível lidar, pois não há argumento que as demova. Eles se movimentam pela fé cega no mito. Provavelmente só mudarão de opinião se confrontadas com algum elemento muito singular, na sua vida material.
E há outro grupo, de apoiadores esparsos, que acaba incorporando o discurso do presidente porque acredita nele a partir de sua vivência cotidiana. Com essas pessoas se pode conversar e argumentar. Mas, para isso é preciso entender como a população enxerga a ciência.
Sou trabalhadora na universidade pública e desde há mais de 30 anos tenho feito esse debate sobre a relação entre a ciência e vida das gentes. A cada greve que as universidades fazem essa discussão vem à tona. Como buscar apoio da população para uma instituição que a maioria vê como algo completamente alheio à sua vida? Aí vêm as ideias de promover eventos como “universidade na praça” para mostrar como a universidade está presente no cotidiano. Só que esta é uma coisa que acontece muito raramente e justamente quando “precisamos” do apoio das gentes. Eu, por exemplo, creio que deveria ser uma ação sistemática e feita nos bairros, onde a vida acontece com mais vagar. Uma ação pedagógica que pudesse mostrar com clareza que uma instituição que parece tão distante na verdade está perto e influencia a vida da gente o tempo todo.
O sujeito comum, que trabalha o dia inteiro, que depende dos serviços públicos, que não tem acesso a quase nada, não consegue ver a ciência sendo alguma coisa importante pra ele. Ele não encontra a ciência no Posto de Saúde, onde não existem as condições ideais para suas dores. “É paracetamol e iboprufeno” para qualquer mal, dois remédios que já não associam com ciência, tão banalizados ficaram. Ele não encontra a ciência nas UPAs onde até o Raio-X (coisa já tão antiga) não funciona e tampouco jamais chegará a uma tomografia computadorizada. Tudo está muito longe. A ciência é para os ricos.
O sujeito comum não vê a ciência no celular, na televisão, na construção civil, nas comunicações, no remédio que toma. Tudo para ele é um mundo natural que se apresenta sem maiores complexidades. E a universidade é só um lugar para onde quer mandar o filho, para ver se arruma um emprego melhor. Não liga com a ciência. Pelo contrário, a ciência é aquilo que às vezes passa no Globo Repórter, com pesquisadores em trajes espaciais, dentro de laboratórios estranhos. Ela está bem longe e coberta por um véu quase inexpugnável.
É por isso que o tratamento precoce, ditado pelo grupo da família ou dos amigos, parece mais seguro, porque, afinal, as coisas quase sempre são assim. Quando aparece algum mal as pessoas correm para os chás, os benzimentos, ou para a farmácia do bairro que vende inumeráveis drogas, sem receita. Então, agora, essa imagem do infectologista, do médico, do cientista, querendo se fazer presente, aparece deslocada. Daí a desconfiança. Se a ciência nunca esteva aí para a maioria, porque agora ela estaria? E o mito se aproveita disso, joga com o que está bem amalgamado no imaginário. Daí toda essa negação.
A questão que fica é: como fazer um trabalho de desconstrução se na materialidade da vida é assim mesmo, como uma coisa longínqua, que a ciência se apresenta? Não se muda a cabeça das pessoas com palavras. Muda-se com a ação concreta. Sendo assim, para que a ciência passe a ser algo crível no cotidiano, é preciso que ela se apresente no cotidiano. E para isso é necessário uma mudança estrutural. A derrubada do sistema. A construção de outra maneira de viver. O socialismo. Veja Cuba, e a relação das gentes com a vacina. É outro mundo.
Estamos longe…