Uma das cenas mais dolorosas da série Pose – que trata do mundo LGBT de Nova Iorque – é quando os protagonistas vão ao hospital fazer o exame de HIV e o personagem de Billy Porter sai com os olhos parados, tendo o resultado de positivo. Ele mente e sai impávido, mas completamente destroçado por dentro. Porque naqueles dias – começo dos 1990 – ter o vírus da Aids era uma sentença de morte. Uma morte estranha, dolorosa e solitária, pois as pessoas desapareciam do convívio de quem estava infectado, com medo do contágio, que era certo.
Quem é muito jovem não vai se lembrar, mas, no final dos anos 1980 e começo dos 1990, esse era o vírus que atormentava todo mundo que tinha vida sexual ativa. Primeiro, logo que a doença apareceu, acreditava-se que apenas os homossexuais eram portadores do vírus, o que acabou criando uma série de preconceitos, violência e barbárie contra a tribo LGBT. Mas, com o tempo, a AIDS passou a ser uma flecha apontada para qualquer pessoa que já tivesse transado com mais de um parceiro. Fazer o exame era fundamental para saber se estávamos sentenciados à morte ou não.
A cena em Pose lembrou a minha própria cena, da vida real. Lembro que fomos eu e uma amiga fazer o tal exame lá no Gapa, que ficava nos altos da Felipe Schmidt. Entrar ali já era visto como algo suspeito pois era a sede do centro de apoio aos pacientes com Aids, coordenado pela querida dona Helena Pires, abençoada criatura que naqueles dias acolheu os doentes com o mais genuíno cuidado e amor. Mas, era onde fazia o exame de graça. Morrendo de medo lá fomos nós. Tiramos o sangue e ficamos aguardando. Dias depois fomos receber o resultado. E era bem como no filme. Chamavam a gente, um a um, para entregar o papel. E lá dentro tínhamos de ouvir sobre todas as medidas de prevenção que seriam necessárias a partir dali. A moça com o envelope na mão e a gente naquela agonia. Cada uma de nós abriu o envelope sozinha. Negativo. Foi um alívio, as lágrimas rolando, silentes. A vida louca dos anos 80 não tinha deixado sua marca de morte. Estávamos livres da Aids. Desde ali, a camisinha entrou definitivamente na vida e muitas coisas mudaram.
A série Pose retrata bem esse momento das nossas vidas e principalmente das vidas daqueles que eram considerados o grupo de risco. É um trabalho sensível e cheio de delicadezas. Cada capítulo é um turbilhão de sentimentos. Hoje, com mais um vírus espreitando a nossa existência, aquele tempo assoma na lembrança, trazendo os mesmos sentimentos de medo e apreensão.
Fico aqui pensando nas pessoas que pegam o vírus da Covid. Não há nenhuma dona Helena para lhes segurar a mão. Que tempos tristes.