Volta e meia vejo gente reclamando da linguagem acadêmica empolada. Eu concordo.
Há muitos textos tortuosos e torturantes, em que a obscuridade da prosa parece ter como objetivo esconder um vazio de ideias. Sempre lembro da frase de James Scott, um cientista político que muito admiro: “Sou acusado com frequência de estar errado, mas raras vezes de ser incompreensível”. Esse é o norte de quem deseja de fato se colocar no debate.
Mas é bom lembrar também que ideias complexas – que são as ideias necessárias para entender um mundo complexo – exigem, de quem as lê, um esforço ativo de compreensão.
Marx, por exemplo, era um escritor de mão cheia e buscava ser o mais didático possível. Mas quem quiser enfrentar O capital com a mesma leitura displicente que concede a um gibi do Cebolinha certamente vai quebrar a cara.
Infelizmente, num mundo que favorece a gratificação imediata, esse trabalho parece cada vez menos atraente. Então proliferam aqueles que Bourdieu chamava de “fast thinkers”, que brindam seu público com simplificações e maniqueísmos.
Por fim, é sempre bom lembrar que ciência e divulgação científica são diferentes. Divulgação científica é fundamental (o que o obscurantismo hoje reinante só comprova). Sou enormemente grato a cientistas e jornalistas que fazem o esforço de traduzir, para gente como eu, descobertas e debates da biologia ou da astronomia.
Mas eu não espero ser capaz de alcançar a conversa entre os próprios cientistas destas áreas. Nela, o mesmo jargão que afasta os leigos é instrumento de precisão e agilidade no discurso.
As ciências humanas são diferentes, decerto, e nelas o compromisso público do cientista, que exige que fale para além de seu círculo de pares, é ainda mais premente. Mas elas também lidam com a complexidade, também têm seu acúmulo de debates, também exigem treinamento.
Creio que, por suas características próprias, muito do que é produzido nas ciências humanas pode atingir um público mais amplo. Por isso evitar a linguagem desnecessariamente técnica, rebuscada ou mesmo abstrusa é ainda mais imperativo. Mas o preço a pagar não pode ser o simplismo.
EXTRA
Resumo Teoria da Hegemonia Cultural – Gramsci
Sobre Luis Felipe Miguel
– Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), e pesquisador do CNPq. Publicou, entre outros, os livros Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Dominação e resistência (Boitempo, 2018) e O colapso da democracia no Brasil: da Constituição ao golpe de 2016 (Expressão Popular, 2019).
(Texto informado pelo professor, reproduzido da plataforma Lattes)