A consulta na UnB, encerrada já no primeiro turno, revelou de forma cristalina a opção da comunidade universitária pela continuidade dos professores Márcia Abrahão e Enrique Huelva à frente da Reitoria. A participação foi grande, apesar das circunstâncias desafiadoras geradas pela pandemia. O resultado, que não recebeu qualquer contestação, garante a legitimidade da chapa eleita, vitoriosa por ampla margem em todos os segmentos.
A consulta, porém, foi apenas a primeira etapa de um processo ainda a ser desenrolado. Permanece o instituto da lista tríplice, que concede ao MEC a palavra final na escolha dos dirigentes universitários. Os governos anteriores transformaram a lista tríplice em mera formalidade, indicando automaticamente o candidato mais votado, mas não a aboliram na letra da lei. Depois da derrubada da presidente Dilma Rousseff, houve episódios de tensão, com atraso deliberado na nomeação dos vencedores, mas não se ousou desrespeitar a vontade das universidades. Era um governo que, a despeito de sua origem, não desejava ser rotulado como antidemocrático.
A situação mudou com a chegada ao poder de Bolsonaro, animado por uma visão de mundo abertamente autoritária e hostil a tudo aquilo que a universidade representa. Passamos a ver, com frequência, a nomeação de candidatos derrotados, por vezes de candidatos com votação pífia. Temos hoje pelo menos uma dezena de instituições conflagradas pela nomeação de dirigentes sem a legitimação da comunidade, com grave impacto em todas as suas atividades.
Está na lei, é verdade. Mas é democrático?
Para responder a essa questão, precisamos entender o que a eleição na universidade traduz. Ela não é um certame que busca identificar competências objetivas. Se o primeiro colocado num concurso público não assume o cargo, contratamos o segundo. Se o atleta vencedor se machuca, chamamos o segundo colocado para ir às Olimpíadas. Para situações assim, uma lista tríplice pode até fazer sentido.
Numa eleição, porém, se defrontam projetos diferentes, por vezes até antagônicos. Os eleitores optam tanto a favor de um projeto quanto contra outros. Tão importante quanto saber que uma chapa foi vitoriosa é perceber que as outras foram derrotadas, isto é, não receberam o aval do eleitorado.
O que a comunidade da UnB fez, nos dias 25 e 26 passados, foi optar pelo projeto de universidade apresentado pela chapa encabeçada pela profª Márcia Abrahão. Não há nenhum demérito para os demais candidatos, que se colocaram no debate e contribuíram para que a decisão fosse tomada de maneira mais informada e esclarecida – mas o fato é que a opção não foi por eles. A nomeação de qualquer outra chapa que não a vencedora para a Reitoria representaria uma traição à vontade expressa da comunidade universitária.
Por isso, o correto é que o Consuni encaminhe ao MEC uma lista integralmente alinhada com o projeto vitorioso: na primeira posição, a profª Márcia e o prof. Enrique; nas outras duas, professores por eles avalizados. É a maneira de garantir que a vontade democraticamente expressa da comunidade universitária seja respeitada.
Cabe lembrar que, se a lei é invocada para justificar a eventual nomeação de uma chapa não preferida pela universidade, essa mesma lei confere ao “colegiado máximo da instituição” a tarefa de elaborar a lista tríplice. Não condiciona a lista a nenhum processo de consulta interna. Portanto, é dentro da lei que podemos atuar para garantir o respeito à democracia universitária.
Nesse momento, as chapas derrotadas têm a oportunidade de demonstrar seu compromisso com a autonomia universitária e com as regras democráticas, não se inscrevendo para a eleição no Consuni e, assim, deixando livre o caminho para a produção de uma lista tríplice que espelhe, toda ela, o projeto escolhido pela maioria.
Ganhar ou perder é próprio de qualquer eleição. Aceitar ou não o resultado é a linha divisória que separa democratas de antidemocratas. E, no caso, também quem tem e quem não tem compromisso com a universidade, porque todos sabemos que a posse de um reitor sem legitimidade levará a UnB a uma crise, tanto mais grave quanto mais precisamos, nesse momento, de união para resistir aos ataques que estamos sofrendo.
As quatro chapas fizeram suas campanhas disputando os votos de docentes, discentes e técnicos, não o patrocínio de políticos ou burocratas. Sabiam que seus eleitores apoiavam um candidato a reitor, não a interventor. Os professores Jaime Santana, Fátima de Sousa e Virgílio Arraes honrarão suas biografias ao aceitar o resultado das urnas e abrir mão de apresentar suas candidaturas ao Consuni.
– Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), e pesquisador do CNPq. Publicou, entre outros, os livros Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Dominação e resistência (Boitempo, 2018) e O colapso da democracia no Brasil: da Constituição ao golpe de 2016 (Expressão Popular, 2019).
(Texto informado pelo professor, reproduzido da plataforma Lattes)