Gosto de “roçar a língua de Luis de Camões”, concordo com o que dizem sobre a suavidade e até mesmo douçura do português- ainda que eu tenha dificuldade de acreditar que o “ão” se encaixe neste quesito.
Tendo a concordar com a idéia de que só nós, os lusófonos, temos uma palavra e um sentimento intraduzível e originalíssimo chamado saudade, que não pode ser visto como nostalgia nem falta- ainda que tenha algo a ver com estes e os carregue (mas ultrapasse).
Reconheço, também, que é uma língua difícil: como articular tantos tempos verbais e outros quejandos à altura da gramática, ainda que esta esteja a mudar? Nosso dia a dia está cheio de erros gramaticais, mas… seguimos nos comunicando e o que nos falta na vida política e na economia brota sem trégua e transborda na música. ( que país contraditório)!
Agora bem, por que será que nos faltam algumas palavras cuja materialidade é visível, na vida real? “Abuelez” é uma delas. Não temos uma palavra – um substantivo – que corresponda ao estado de ser avó ou avô. O estranho é que temos “a coisa” – o sentimento, o estado, a função – e nos falta a palavra!
Mais curioso, ainda, pois as tradições camponesas, e mais, ainda, as indígenas e as negras seguiram dedicando aos anciãos um papel central- decisivo, até- na organização de seus parentes e suas “comunidades”. Para os guarani, por exemplo, a figura do Xeramói é fundamental – eles são os guardiões de saberes ancestrais e nada que seja sério é feito sem uma profunda consulta a estes “abuelitos”. E podemos estender este costume a inúmeras outras etnias. Não há quem não saiba onde encontrar as velhas curandeiras – parteiras, benzedeiras e “bruxas”, que tanto ajudam mulheres em apuros, em qualquer rincão do Brasil profundo – mas também nas metrópoles e em muitas cidades “modernas” onde aparentemente, não estariam.
Curioso descompasso entre vida real e mundo da linguagem: avós e avôs estabelecem relações cruciais com seus netos e netas, sejam consanguínios, simbólicos e desaparecidos – como o caso das “Abuelas de la plaza de Mayo” expressando o quanto a modernidade capitalista- a modernidade que conhecemos – está redondamente equivocada, ao ignorar o peso e a força da experiência na vida das novas gerações.
” Vai passar dentro de algumas horas”, dizia minha avó, quando eu, bem pequeninha, desesperava com o calor sufocante do verão que estacionava na temperatura máxima com o”céu de brigadeiro” (!).
Gosto de pensar que um dia, depois que passar a tragédia que vivemos – a Covid, o bolsonorarismo, esta crise tão peculiar do capitalismo e suas manifestações sinistras, tudo isto – teremos tempo de pensar em reformas gramaticais que dêem conta desta linda presença em nossas vidas. Por ora, além da nossa ” ciência” moderna – crucial para os dias pandêmicos- um dedo de prosa com os nossos “xeramói” certamente será de grande valia. E um outro com as “abuelitas” que – junto com Las Madres de la Paza de Mayo nunca deixaram de lutar, ainda que pedissem o impossível.